Nanocontos
[IV]
No nanoconto de Jaime Leitão “Refletiu espelhos” surgem as figuras dos carnavalescos Evandro de Castro Lima e Clóvis Bornay que, fantasiados, brilhavam sob as luzes do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e dos holofotes da televisão. Refletiam o rico ego carnavalesco, com luxúria, encantamento, elegância, profissionalismo e exibicionismo. Cada detalhe das fantasias refletia o brilho da vaidade dos desfilantes. Não se tem mais esse tipo de concurso. Perdeu-se esse viés do carnaval, que era de salão, ao contrário do desfile carnavalesco de rua.
O nanoconto número 105- “Engasgou no discurso” é o que eu gostaria que ocorresse com o homem público, mal amado do povo. Isso seria para o vaidoso homem público um verdadeiro castigo.
O nanoconto número 109 –“A gêmea desmegeou-se”- tem pertinência com o meu poema “As Irmãs”, incluído na parte “Canto de Esquinas”, que integra o meu livro “Cantos Diversos” (a ser publicado), adiante transcrito: “As gêmeas, de faces frias,/ entre vários otários,/viajam sem tristeza e sem alegria,/ no ônibus dos bancários./ Não se olham nem se falam./ E quando se falam e se olham,/ não se olham nem se falam.”// Seguem sempre apressadas,/ não sabendo o que encontrar./ Talvez coisas para não se encontrar.,/ pois, estando afastadas,/ só a solidão podem encontrar”.
Afora a repetição do “encontrar” nesse poema, para ressaltar, exatamente, o desencontro, o desencontro das gêmeas, mostra-se notável o neologismo -desmegeou-se – utilizado pelo Jaime, que, simétrica e concisamente, destaca a separação de pessoas gêmeas e que a vida assim conduz.
O nanoconto 112- “Morreu de soco perdido” está colado à manchete: “morreu de bala perdida”. A causação do sinistro fatídico decorre da má coincidência de vários fatores que, na convergência deles, acabam levando a pessoa. É puro azar.
O nanoconto número 116- “O poodle ganhou asas”- tem muito a ver com a história que um advogasdo me contou dizendo que a filha, de seis aninhos, estava sofrendo porque o cachorrinho dela havia sumido. Tragédia maior não poderia haver para aquela criança. Passeando pai e filha no Ibirapuera, o pai apontou para uma nuvem e disse: “Olha lá, o cachorrinho criou asas. Está voando. Perguntei ao advogado: -Deu resultado? Ele me respondeu: Que nada, a minha filha chorou ainda mais. `Precisei comprar um outro cachorrinho para ela e. aos poucos, substituir a lembrança pela presença do outro”. É isso; não se pode mentir para uma criança.
O nanoconto número 121 -Subiu e sumiu”- guarda história interessante, porém, triste.
Minha avó, Amélia Correa, a Bela, era casada com Júlio Bernardes. Desse enlace, vieram ao mundo minha tia Hebe e minha mãe, a Élide. De desconhecido motivo, o certo é que esse meu avô deixou mulher e filhas um certo dia e nunca mais apareceu. Parodiando o verso- “Saiu e sumiu”-, minha mãe, já aos 80 anos, e talvez com a mágoa dessa partida inexplicável, disse-me: “Meu filho, agora você é o meu pai”. Não é triste?
Outro caso de que me lembro diz respeito à tentativa absurda de um padre que, sem conhecer as leis da navegação aérea, meteu-se a subir ao céu envolto por balões a gás, e, e depois de um outro dia, ninguém mais teve notícias desse pobre missionário. Verdadeiramente, ele subiu e, depois, sumiu.
O nanoconto número 140 –“Rita era tão irritada”- é tudo o que o poeta poderia dizer dessa pessoa O contrário disso disse Geraldo Vandré: “Pego a viola me lembro dela/ Toco a viola só quero ela/ Só mesmo a Rita na vida aflita/Quando se agita em laços de fita/ Traz alegrias pro meu cantar/ Pego a viola me lembro dela/Toco a viola só quero ela / Pego a viola/Laços de fita na vida aflita/Só mesmo Rita quando se agita/ Traz alegria pro meu cantar/Pego a viola me lembro dela/ Toco a viola só quero ela / Pego a viola/ Laços de fita na vida aflita/Só mesmo Rita quando se agita/Traz alegria pro meu cantar/…”.
É a Rita de cada um. Vida que segue.