O governo do estado anunciou que a Região de Piracicaba volta à zona laranja. Contudo, segundo avalição de um grupo de pesquisados da Unesp Rio Claro, a escalada no número de casos em Rio Claro é preocupante. “Iniciamos o mês de junho apreensivo com pouco mais de 100 casos confirmados e 13 óbitos, e encerramos batendo na marca de 1000 casos e 33 óbitos. A escalada de novos casos vem pressionando o sistema de saúde: em apenas um mês o número de internados aumentou 4 vezes de 20 para 80”, destacam os pesquisadores que integram o Comitê Covid-19.
Esses números revelam o lado perverso da disseminação de doenças contagiosas que é de ocorrer por multiplicação de infectados. Quando chegou ao Brasil, uma pessoa com a covid-19 transmitia a doença para outras 3 pessoas ou mais. Cada uma dessas novas infectadas transmitia para outras 3 pessoas, resultando em 3 x 3 = 9 infectados, que em outra rodada atingia 3 x 9 = 27 infectados. Esse número de pessoas que um infectado contagia é chamado de número básico de reprodução da epidemia (R0). Quando a epidemia se dissemina na comunidade, essa taxa de infecção passa a sofrer variações conforme o ambiente, momento da epidemia, medidas tomadas para contenção mitigação e muitos outros fatores e recebe o nome de número de reprodução Rt.
Diversos países no mundo monitoram o valor da Rt da Covid-19 para decidir quando as medidas de isolamento social podem ser afrouxadas. Quando medidas adequadas de mitigação da epidemia são tomadas, o Rt diminui, mas quando falham, aumentam. A meta das medidas é que elas reduzam o Rt para um valor abaixo de 1. Isso significa que cada pessoa infectada contagiará menos do que uma pessoa e a epidemia tende a se extinguir. Seguindo a recomendação da OMS, o valor de Rt deveria permanecer abaixo de 1 durante duas semanas para se poder iniciar o relaxamento.
O Plano São Paulo de retomada da economia utiliza-se de um indicador chamado de taxa de contaminação (Nc) que divide o número de novos casos da última semana pelo número de novos casos na penúltima semana. Quando os valores nas duas semanas são iguais, o Nc é igual a 1 e a epidemia está estável. Quando Nc é menor que 1 os novos casos estão reduzindo e quando é maior que 1 está em aumento. Embora sejam calculados de formas diferentes, os valores de Rt e Nc podem ser interpretados de forma semelhante.
Conforme o Painel Covid-19 Rio Claro, mantido pelo GT de monitoramento da covid-19 da Unesp-Rio Claro, o município, desde o final de maio, vem apresentando Rt e Nc superiores a 1. Quando, no início de junho, o governo do Estado de São Paulo iniciou a flexibilização do isolamento, ao contrário do recomendado, Rt e Nc permaneciam superiores a 1, indicando que a epidemia estava em ascensão. Isto ocorria não somente em Rio Claro, mas também em outros municípios e no estado todo. A tendência se acentuou ao longo do mês de junho e com a explosão de casos e superlotação de leitos, a prefeitura de Rio Claro em 21/06/2020 viu-se obrigada a retroceder na fase do Plano São Paulo. Em 09/07/2020, não há ainda sinais de que a epidemia esteja controlada: Rt e Nc indicam que cada infectado transmite a doença para outras duas pessoas.
Parte do aumento no número de casos de covid-19 pode ser atribuído ao aumento no número de testes realizados pela prefeitura de Rio Claro. Houve também a liberação de grandes lotes de resultados de testes realizados pelo Instituto Adolfo Lutz. Contudo, o aumento no número de hospitalizações e de óbitos, não podem ser atribuídos apenas ao aumento no número de pessoas testadas. A epidemia vem aumentando em Rio Claro. Nas últimas semanas o número de novos casos em Rio Claro vem se duplicando a cada 12 dias: em 14/06 havia 348 casos, em 26 de junho, 12 dias depois, passamos para 696 e em outros 12 dias atingimos 1393 em 07/07. Se não houver nenhuma mudança no cumprimento de medidas de distanciamento social e higiene, nos próximos ciclos de 12 dias, Rio Claro poderá registrar cerca de 2,8 mil casos em 19/07 e 5,6 mil casos no último dia de julho. Com 1,5 mil casos, quase um morador em cada 100 já foi infectado pelo novo coronavírus. No final do mês, poderão ser 1 em cada 40. O impacto desse crescimento em prazo tão curto para o sistema de saúde poderá ser catastrófico.
Impactos no sistema de saúde: rastreamento e interiorização
Uma das medidas recomendadas pela OMS para a mitigação da pandemia é o rastreamento de casos e contatos. Ele consiste em buscar ativamente as pessoas que tiveram contato com uma pessoa que foi diagnosticada ou é suspeita de covid-19, alertá-la sobre os riscos e mantê-la em quarentena durante duas semanas para evitar a propagação do vírus. O governo do Estado de São Paulo confirmou em entrevista realizada em 23/06/2020 que esse rastreamento é realizado regularmente pela Vigilância Epidemiológica dos Municípios. Em Rio Claro, o Secretário Municipal de Saúde Maurício Monteiro confirmou que o rastreamento de casos e de contatos é realizado pelas equipes de saúde e pelo programa TeleCorona.
Com baixo número de casos, o rastreamento é facilmente realizado. Contudo, com mais de 1000 casos, esse rastreamento se torna bastante difícil de ser cumprido. O Centro de Controle de Doenças do EUA recomenda que o sistema de saúde disponha de 5 rastreadores profissionais para cada caso novo por dia. Nas duas últimas semanas, Rio Claro registou em média, 60 casos novos por dia. Para isso, seriam necessários 300 rastreadores atuando diariamente no campo. Sem um serviço efetivo de rastreamento, o risco de aumento do número de casos é muito alto. Esta semana, o governo do Estado de São Paulo anunciou que centralizará esse rastreamento, inicialmente em alguns municípios e que se estenderá a todos municípios até o final do mês de agosto. Embora acertada, a implementação deveria ter ocorrido no início da pandemia quando a tarefa seria menos complexa e poderia ter desacelerado a sua disseminação.
Conforme destacaram os pesquisadores da Unesp, a epidemia vem se movendo da capital para o interior. Nas duas últimas semanas, está ocorrendo saturação de leitos em Campinas e os pacientes de lá poderão ser internados na capital. Alguns pacientes de Rio Claro já estão sendo transferidos para outros municípios do Departamento Regional de Saúde de Piracicaba. Embora leitos estejam sendo criados na Região, para acompanhar a velocidade de aparecimento de novos casos ela precisaria duplicar a cada 11 dias. Cabe registrar que os municípios de Piracicaba, Limeira e Rio Claro apresentam números elevados de casos e mortes dentre os que compõem a DRS Piracicaba, e são as três maiores da Região. Frequentemente argumenta-se que Rio Claro teria indicadores piores da Covid-19 devido à maior proporção de idosos. Contudo, os três municípios apresentam proporção semelhante de maiores de 60 anos na população (17%). É mais provável que sendo um dos municípios mais populosos e mais próximos da capital e região de Campinas, tenha havido maior circulação de pessoas com esses polos de disseminação da pandemia.
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