Hoje, tudo, tudo pode ser descartável. A sociedade de consumo em que vivemos nos dá uma certeza vã de que quando algo quebra não tem sentido consertá-la, mas sim comprar outra.
Me lembro quando era criança de ouvir falar que nos Estados Unidos as pessoas jogavam televisão no lixo, computadores entre outras coisas que já não lhes serviam mais. O tempo passou, o Brasil deu um salto na economia e olha o mesmo comportamento já arraigado por aqui.
Quebrou, joga fora, porque não vai compensar mandar arrumar. Hoje, compramos algo porque achamos bonito, algo impensável para as pessoas de gerações passadas, que na maioria das vezes comprava apenas se precisava, e quando conseguia.
Repetimos esse novo comportamento nas nossas relações interpessoais. Se a amizade tem algum problema, deixamos ela de lado, preferimos não conversar para colocar em pratos limpos. Para muita gente que prefere o caminho mais fácil do distanciamento sem maiores explicações, é melhor evitar o desgaste, a exposição.
Falta-nos nobreza de comportamento, lisura nas relações e, principalmente, nos falta a elevada capacidade de pedir desculpas, reconhecer quando erramos. É preferível o refúgio covarde na fria sala da individualidade do que a coragem de se retratar.
Para muitos relacionamentos amorosos também parece estar valendo a regra desse “consumismo de gente”. Se algo vai mal no casamento, no namoro, logo se joga a separação em cima da mesa. É que preferimos acreditar que “ninguém muda”, ou ainda “não tem conserto”. E se não tem conserto, joga-se fora. Parece mais fácil ser frio assim.
Para muita gente o sonho de vida seria trazer para o mundo real o que se faz no virtual. Nas redes sociais é possível se ter milhares de “amigos” e, se um desses te chateia, basta apertar “delete” e bloqueá-lo. Não é preciso conversar, se explicar muito menos se justificar.
De rompimento em rompimento, vamos repetindo com as pessoas o que se faz no mundo do consumo, quer serve muito bem ao mercado e à economia. Descarta-se pessoas, relações com mesma facilidade com que descartamos uma roupa que não serve mais.
Mais e mais vamos mergulhando num egocentrismo que só dá a falsa certeza de que é preciso ser feliz a qualquer custo, sem sentir nenhum tipo de dor no meio do caminho, mesmo que isso custe a dor de muita gente que está do nosso lado. Preferimos esquecer da alma para cuidar só do corpo, um corpo que encerra em si apenas o desejo mais primitivo do ser humano: o desejo de ser desejado pelos outros.
Não nos damos bem nas nossas relações porque iniciamos com a premissa de que o outro tem por obrigação e responsabilidade nos fazer feliz. Ora, como isso é possível se poucas são as pessoas que sabem cuidar de si próprias? Que dirá do outro?
Vivemos numa necessidade constante de depositar nos outros a razão do nosso sofrimento. Evolui quem passa a cobrar de si mesmo, cobrar a capacidade de ser menos individualista, mais resistente às frustrações, mais forte por dentro e mais capaz de cuidar e ajudar os outros.
A lição para o que temos como ideal de felicidade talvez seja justamente um caminho de mais humildade. Compartilhamos um planeta e uma época. Quanto privilégio nisso! Vai saber quantos planetas e quantas épocas existem. Não é porque a ciência ainda não descobriu que não existe.
Vivemos num mundo emprestado. Repare ao seu redor, nem nosso corpo nos pertence. Somos parte da natureza mas ela também não nos pertence. Lutamos para sermos melhores mas nos encerramos em nós mesmos tentando fugir da ideia de que estamos por aqui só de passagem. E pouco a pouco vamos evitando o risco, a coragem, a falta de garantias de uma coisa chamada vida.