Um dos homens mais maravilhosos que conheci chamava-se Oscar Pinto Montenegro.
Por sorte minha, Deus quis que ele fosse meu avô materno. Sempre fui influenciado por relatos de minha mãe sobre ele. Meu encontro com os livros e o desenvolvimento dessa paixão incurável pela leitura começaram muito cedo em minha vida, graças a essa influência. Na sexta, fui lembrado por minha mãe que se passaram 38 anos da partida de “seu Oscar”.
Convivi com ele até os meus seis anos e pouco. Mas foram suficientes para fazer de mim o que sou, aliás a melhor parte de mim. Perto dos 11 anos de idade meu avô viu seu pai ser morto pelo melhor amigo e, com essa idade, morando na região de Catanduva, vindo da Bahia, foi trabalhar para ajudar no sustento da família.
Impedido de ir à escola por força das circunstâncias, aprendeu sozinho a ler e escrever. Autodidata, aprendeu até rudimentos do idioma árabe. Amante de Machado de Assis, Euclides da Cunha, Camões e outros tantos. Após sua morte, me foi dado o privilégio de “herdar” muitos dos seus livros, os quais estão comigo até hoje. Alguns anos mais tarde tomei gosto pelo jornalismo quando li seu exemplar de Os Sertões pela primeira vez.
Deitado numa rede amarela, num rancho do grande quintal da casa na Avenida 16 com Ruas 3 e 4, seu Oscar pensava na vida, ouvia seus discos de acetato com óperas maravilhosas e trechos de peças clássicas na voz inconfundível do tenor Beniamino Gigli, ou do Caruso.
Me lembro do seu olhar, eu na altura dele deitado na rede me perguntando de brincadeira: “Seu nome é Brachelo?”. A cada vez que repetia “não vô, é Marcelo, ele para brincar com minha imaginação dizia, “então, foi o que eu falei, Brachelo”. Eu, do alto dos meus cinco para seis anos ficava bravo, batia com força minhas botinhas ortopédicas no chão. E ele ria e me abraçava.
Foi difícil para a família ver aquele homem grande e muito forte sucumbindo a dois derrames cerebrais. Nos seus últimos tempos por aqui, precisava de ajuda para se locomover por algum tempo, depois chegou a melhorar. Também teve alguma sequela na mão direita, mas obstinado treinou e chegou a melhorar bem a escrita. Ainda hoje me emociono quando tiro da estante algum livro que foi seu e encontro alguma anotação na lateral de uma página perdida no tempo.
Nessa mesma época, morávamos em Capão Bonito, e quando vínhamos a Rio Claro para visitá-lo, nos olhava e chorava quando íamos embora. Talvez sua expectativa era a de que não nos veria mais.
Consciente do fim próximo, agarrou-se não mais ao tempo, que devia passar aceleradíssimo para ele. Agarrava-se aos momentos bons, estes sim eternos. No quintal, muito tempo depois de sua morte, eu, na minha imaginação de criança, forçava em querer vê-lo ali, deitado na rede.
E enquanto minha avó Valentina e minha mãe preparavam o almoço, eu conversava a mesma conversa que tinha com ele, na frente do espelho, sozinho. E me lembrava de suas mãos enormes e fortes, vencidas pelo passar dos anos.