A ligação existente entre Rio Claro e a ferrovia vai além da afetividade. O elo que há entre inúmeros rio-clarenses e toda história que envolve as estradas de ferro, que por anos foram sinônimo de progresso, norteou a existência de ferroviários e de todos que, de algum modo, possuíam ligação com aqueles que fizeram da ferrovia muito mais do que um modo de subsistência.
Histórico
De acordo com o portal Estações Ferroviárias do Brasil, a estação de Rio Claro foi inaugurada em 1876. Em 1892, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro comprou a Rioclarense. A estação original foi demolida em 1911, ano em que a Companhia Paulista inaugurou o prédio atual da estação.
A estação tinha grande importância também por ter a cidade de Rio Claro as oficinas da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e da Ferrovia Paulista S. A., Fepasa, além do Horto Florestal Navarro de Andrade, de propriedade das companhias. O prédio da estação foi tombado pelo CONDEPHAAT em 1985.
Com a Ferrovia Bandeirantes S. A., Ferroban, operando os trens de passageiros a partir de 1999, apenas a estação de Rio Claro-Nova passou a ser usada, e a estação de Rio Claro permaneceu fechada por um bom tempo.
A estação, por sua vez, virou centro de eventos, realizados na plataforma. Em 2012, os trilhos que davam para a estação, para embarque e desembarque, não existiam mais. Os trilhos estão passando ao lado direito da estação e dirigem-se para as oficinas, agora operadas pela América Latina Logística, ALL.
O Diário conversou com pessoas ligadas à ferrovia a fim de que relatassem fatos marcantes envolvendo suas vidas dedicadas a um marco histórico, cujas raízes se manterão intactas, a despeito do passar do tempo e do pouco caso quanto a praticamente tudo que envolveu esse áureo período.
Marco Antonio Muniz, ex-ferroviário, conta que uma das experiências mais positivas em sua vida, e que contribuiu significativamente para sua formação profissional e pessoal, foi ter sido aluno da Escola Senai Jayme Cintra, de Rio Claro, da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, onde se formou em 1970 como caldeireiro. “Depois, no início de 1971, ingressei na própria Companhia Paulista para trabalhar na turma da funilaria”, recorda-se.
Muniz relata que a Escola Senai Jayme Cintra era uma referência de padrão de qualidade de ensino, igualando a de muitos países. De acordo com ele, os alunos do Senai eram disputados por muitas empresas nacionais e multinacionais, “pois estas sabiam que o profissional ali formado era da mais alta competência e responsabilidade”.
Muniz afirma se orgulhar de ter trabalhado, embora apenas por 14 meses, “na melhor e mais eficiente ferrovia de todos os tempos: a Companhia Paulista de Estrada de Ferro”. “Neste breve tempo de empresa, aprendi muito e fiz grandes amizades. Minha paixão pela ferrovia teve a influência do meu querido e saudoso pai, João Muniz, o Tobias, que foi aluno do mesmo Senai e trabalhou por 35 anos na Companhia Paulista. Ele era um exímio carpinteiro, que se aposentou como supervisor da turma de manutenção de vagões.
Além do meu pai, também o meu tio, Daniel Oliveira, meu cunhado, Nelson Zaniboni, e meu saudoso sogro, Anésio Buciolli, trabalharam na Companhia Paulista em Rio Claro”, relata Muniz, que atualmente integra, como secretário, o Instituto Memória Ferroviária – I.M.F., em Rio Claro.
O ex-ferroviário explica que o I.M.F. é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, e tem como objetivo resgatar e preservar a memória ferroviária e seu patrimônio através de eventos, palestras, exposições, mostras, oficinas, exibição de vídeos, restaurações e a criação do Museu Ferroviário.
Segundo Muniz, o Instituto conta com inúmeros associados, ferromodelistas e colaboradores, todos apaixonados por trem e ferrovia, que se reúnem quinzenalmente na antiga Estação Ferroviária. “A ferrovia me trouxe e me traz muitas alegrias. Encerro com um pensamento do grande empreendedor estadunidense, Henry Ford: ‘Você poderia tirar de mim as minhas fábricas, queimar os meus prédios, mas se me der o meu pessoal, eu construirei outra vez todos os meus negócios’.”
Vagner Degasperi, ferroviário aposentado, também atendeu à reportagem do Centenário. “Sou ferroviário desde os 17 anos. Fica difícil explicar ou exprimir o que sente um ferroviário ou que força nos move para nunca querermos nos separar da ferrovia”, expõe.
Degasperi foi formado pelo Senai Engenheiro Wilson Leal, de Campinas, e admitido na Fepasa em 24 de agosto de 1981, onde seguiu carreira como ajudante de maquinista, maquinista de manobra, maquinista de passageiros, monitor e, por final, supervisor, já na sucessora ALL.
“Em 1992, como monitor, ministrava cursos na própria escola da ferrovia, onde fui formado para novos ingressantes ferroviários. Aposentei-me em 2008 pela ALL, mas continuo com minha ligação à ferrovia desenvolvendo meu trabalho como associado e colaborador do Instituto Memória Ferroviária – I.M.F. de Rio Claro.”
Por fim, assevera. “Para mim, trabalhar na ferrovia é fazer parte de uma família maravilhosa em que todos aprendem a lutar e a fazer de tudo em prol do mesmo objetivo: que o trem sempre avance.”
A reportagem também conversou com Roberto Leonardo, o conhecido Tixa da Ferrovia. Convidado a participar, Tixa nos trouxe o livro “Meu pai foi ferroviário”, de número 8, em que há um capítulo por ele redigido em que relata um pouco de sua trajetória. Nele, diz que sua entrada na ferrovia se deu por influência de sua mãe, Julieta Leonardo Betteto, mais conhecida como Julia Betetto. Seu avô, José Betetto, foi ferroviário na função de ajudante de maquinista.
Tixa, no livro, relata um caso ocorrido com seu avô que, segundo ele, entrou para o folclore de Rio Claro. “Contam que, certa vez, ele estava batendo nas rodas e um moço se aproximou e perguntou: ‘por que o senhor bate nas rodas?’ Ele virou-se e respondeu: ‘ora, mas que curioso, eu faço isso, anjo, e não sei por quê; você já chega perguntando.’
O moço deu-lhe uma bofetada e assim começou uma grande confusão. Ele era assim”, relata Tixa, cujo pai, Mauro Leonardo, também foi ferroviário, o porquê, também, de ter participado do livro mencionado.
Tixa, que atualmente é Secretário Geral da União dos Ferroviários Aposentados (UFA), conta que sua atuação na ferrovia teve fim com a aposentadoria, mas não deixou de fazer parte da família ferroviária, levando consigo inúmeras e inesquecíveis histórias envolvendo a ferrovia, e admite. “Meu amor pelo trabalho como ferroviário trago em meu coração e me sinto como se estivesse na ativa até hoje”, finaliza.