Os brasileiros não lidam bem com a morte e a maioria tem dificuldades para falar sobre o assunto. Um estudo realizado pelo Studio Ideias revela que o tema é tabu para 73% das pessoas e 82,4% acham que não existe nada mais sofrido do que perder alguém.
E não é só a morte de pessoas queridas que deixa um vazio. Perder um pet é igualmente doloroso. Nessa hora, tutores precisam de atenção, em especial as crianças, já que a morte de um animal de estimação pode ser a primeira experiência delas com o luto.
A psicopedagoga Daniela Jungles, professora de Psicologia e supervisora da clínica-escola do UniCuritiba, explica que o fato de considerar os animais de estimação como membros da família aumenta o vínculo emocional. “Para algumas pessoas a perda de um animal de estimação pode ser comparável ao luto pela perda de um ente querido humano em termos de intensidade emocional. No caso das crianças, pode ser uma experiência bastante significativa”, diz a mestre em Ciências da Educação pela Université de Sherbrooke, no Canadá.
A intensidade das emoções é uma das semelhanças no processo de luto entre a perda de um familiar ou amigo e a de um animal de estimação. O processo de luto requer adaptação para viver sem o pet. “Isso pode levar tempo e incluir estágios como negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. A experiência de luto pela perde de um animal de estimação é única, influenciada por fatores como o relacionamento com o animal, a cultura, a personalidade e a experiência de vida.”
Luto não tem certo ou errado
Cada pessoa vive o luto de maneira única, não há certo ou errado. O fato é que superar a falta de um animal de estimação pode ser desafiador. Não reprimir as emoções é o primeiro passo. Conversar sobre o assunto com amigos e familiares também é reconfortante. “Encontrar pessoas que compreendam e apoiem esse luto ajuda a aliviar a dor”, ensina Daniela.
De acordo com a psicóloga, outras estratégias ajudam a superar esse momento, como fazer um memorial em homenagem ao pet, cuidar do bem-estar físico e emocional (boa alimentação, exercícios físicos e descanso), respeitar o tempo necessário para lidar com a perda e, se preciso, buscar suporte profissional.
“Participar de trabalhos voluntários em abrigos de animais ou fazer doações podem ser formas de honrar a memória do pet. A possibilidade de adotar outro animal de estimação também deve ser considerada quando a pessoa estiver emocionalmente preparada. Um novo animal de estimação não vai substituir o pet anterior, mas ajuda a preencher o vazio”, explica a professora do UniCuritiba.
O papel do médico-veterinário
Se os pets já são membros da família, comunicar a morte aos tutores não é fácil. A forma como os médicos-veterinários faz isso pode tornar o luto mais ou menos doloroso.
Professora do curso de Medicina Veterinária do UniCuritiba, Ana Elisa Arruda Rocha diz que cada médico-veterinário tem uma abordagem própria, mas algumas condutas são adotadas de maneira parecida por boa parte dos profissionais. “A abordagem inicial com o tutor deve ser feita presencialmente e em um ambiente reservado. A recomendação é evitar ao máximo dar essa notícia por telefone.”
Antes de comunicar o óbito, é importante também certificar-se de que o tutor sabia sobre a gravidade do caso. “Podemos repassar o histórico do animal com o tutor deixando que ele participe da narrativa e tenha seus sentimentos e emoções cuidadosamente observados e acolhidos”, explica. Além da comunicação da morte, o profissional pode auxiliar os tutores na tomada de decisões sobre enterro ou cremação.
Preparo psicológico
Os médicos-veterinários devem se preparar psicologicamente e emocionalmente antes de comunicar o óbito ao tutor. Treinamentos sobre saúde mental e aconselhamento aprimoram as habilidades para oferecer apoio emocional eficaz.
Segundo a professora do UniCuritiba, a melhor forma é ser transparente, passar as informações com gentileza, ouvir o tutor com atenção e validar os sentimentos que surgem. “Eu também me coloco em uma posição vulnerável para que vivamos o luto juntos. Muitas vezes cuido de pacientes durante 15, 20 anos e me conecto aos seus familiares. É uma dor compartilhada. Juntos, pensamos em opções de homenagens e compartilhamos memórias que nos fazem rir e chorar. Essa amizade com os familiares permanece para sempre”, conta.
Sem mentiras ou invenções
Nas comunicações às crianças, o ideal é que o médico veterinário tenha o consentimento dos pais para contar a verdade e permitir que elas se despeçam do animal, sempre dando suporte com palavras positivas e expressando o quanto elas foram importantes para o animal também.
Ana Elisa é contra inventar desculpas de que o animal fugiu, por exemplo. “As crianças podem aprender desde cedo que a morte é parte do processo da vida e encarar isso com mais naturalidade. Encorajo a expressão de sentimentos, seja por meio de palavras, desenhos, cartinhas ou outras formas criativas. Os rituais de despedida ajudam a lidar com as emoções.”
Assim como a psicóloga Daniela Jungles, a médica-veterinária Ana Elisa recomenda que as crianças sejam acompanhadas de perto no processo de luto, pois podem manifestar sua tristeza em forma de birra, choros excessivos, ansiedade ou irritabilidade. “O luto tem dias mais fáceis e outros mais difíceis, tanto para adultos quanto para crianças. As famílias precisam estar atentas para que todos sejam acolhidos. Essa fase vai passar e as memórias compartilhadas continuarão sempre valendo a pena”, afirma Ana Elisa.
Para ajudar nesse processo, a psicopedagoga Daniela Jungles dá algumas dicas.
1) Seja honesto e compassivo: use palavras apropriadas à idade e explique de forma gentil o que aconteceu. Mostre empatia e compaixão, validando os sentimentos da criança.
2) Incentive a expressão de sentimentos: encoraje a criança a expressão o que estiver sentindo: tristeza, raiva, confusão ou medo. Mostre que esse sentimento é normal.
3) Faça uma cerimônia de despedida: dê à criança a oportunidade de se despedir, fazendo um enterro simbólico no jardim, por exemplo.
4) Ofereça informações sobre a morte: dependendo da idade da criança, explique o ciclo natural da vida e da morte. Responda às perguntas da criança com sinceridade, sem recorrer a respostas evasivas.
5) Mantenha a rotina: após a perda do animal de estimação é importante manter a rotina da criança o mais consistente possível. Isso oferece segurança e previsibilidade durante um período emocionalmente desafiador.
6) Ofereça apoio emocional: esteja disponível para a criança e ouça atentamente o que ela tem a dizer. Esteja presente para consolá-la quando for preciso. Mostre empatia e paciência.
7) Lembre-se das memórias positivas: incentive a criança a compartilhar histórias e memórias positivas sobre o animal de estimação. Isso ajuda a preservar o legado do animal e a celebrar a alegria que ele trouxe para a vida da criança.
8) Respeite o tempo de luto: o luto é um processo individual e pode variar em duração para cada pessoa. Respeite o tempo da criança para lidar com a perda e esteja disponível para apoiá-la.
Segundo a psicóloga, é importante reconhecer as emoções das pessoas enlutadas e oferecer apoio. No caso das crianças, a maneira como lidam com a perda varia de acordo com idade e personalidade. “Se a criança tiver dificuldades graves para viver esse luto ou demonstrar sinais de depressão ou ansiedade significativos é preciso buscar ajuda de um profissional de saúde mental.”
Fotos: FreePik