O professor chega em sala com fones de ouvido, escutando uma canção antológica da música brasileira num aplicativo de streaming.
Por coincidência, o título da canção era igual ao nome da garota. “Vem cá, Luiza, me dá teu fone”, ele pede educadamente. Ela, sorrindo, aceita e propõe uma breve troca, e brinca: “Não vai ser uma música que vai mudar minha postura”.
As reações de ambos àquele intercâmbio geracional e cultural foram quase idênticas: uma espécie de ojeriza. A diferença foi que a aluna ria, como a debochar; o professor, entre indignado e descrente, foi sarcástico. “Deixa ela escutar, deixa ela baixar o áudio”, disse uma colega. “Vem, me exorciza”, pensou o instrutor.
Essas são cenas reais de um dia letivo numa escola particular. O bom relacionamento entre professor e alunos é importante, fundamental até, e sobretudo não se pode deixar o conflito geracional se tornar uma questão pessoal.
Não sou contra desfrutarmos das fases de nossa vida – ninguém deve recair responsabilidades e cobranças pelo que não lhes compete. Também não sou dono de memória seletiva – aos 10 anos, eu ouvia e cantava todas as músicas dos Mamonas Assassinas.
(Será que, em 1995, os Mamonas eram o MC Kauãzinho de hoje?).
No entanto, o que percebo (e entendo que, sim, a música é um reflexo importante tanto do contexto social/temporal quanto da individualidade) é que a geração atual de adolescentes perdeu coisas básicas, essenciais, mínimas, óbvias.
Obviamente não se pode generalizar e aplicar isso a todos irrestritamente – e quem de nós nunca ouviu seus pais/tios, etc., dizerem “no meu tempo…”? –, mas essa conclusão a que tenho chegado vem do contato diário com essa faixa etária nos últimos 5 anos.
Depois do “choque musical”, o que aconteceu em sala: uma das alunas acabou derrubando seu livro por acidente. O material caiu no pé de um colega que… não fez nada, nem mesmo um esboço de apanhar o material ao chão. O professor, obviamente, não perdeu a oportunidade de repreendê-lo, com ironia peculiar.
Minutos depois, num momento de leitura em grupos, um outro rapaz riu da pronúncia – o conteúdo é Língua Inglesa – do colega, iniciante. Por fim, na hora em que o professor solicitou que realizassem uma atividade, com mais de 20 minutos para o fim da aula, a maioria dos estudantes concluiu apenas (parte dela) a primeira questão. Sem nenhum constrangimento.
Isso é culpa de quem, do quê? Foram as duas décadas de governos de esquerda? É a cultura cristã-branco-cis-hétero? É negligência dos pais? É má influência da mídia, das tecnologias? É a Globo, o Facebook, o Felipe Neto, a Anitta, o Neymar? É o atraso cultural brasileiro desde 1500?
Talvez de nenhum deles, talvez de todos. Somos todos responsáveis, de alguma forma.
Somos responsáveis por não sabermos preservar o que de melhor nosso país produziu. Por não termos como premissa o respeito por aqueles que nos fizeram chegar até aqui.
Por não entendermos que cultura e educação andam juntas e que, juntas, constroem um futuro melhor, seja na música, seja na literatura, seja na sociedade, na política ou nas mais simples e triviais relações do dia a dia.
“Escuta agora a canção que o Tom fez pra te ajudar, Luiza”.