O local escolhido para a entrevista não poderia ser outro. Assim que Silvia Venturoli entrou no prédio do Diário do Rio Claro, na Avenida 2, era visível o sentimento de nostalgia. A jornalista trabalhou no Centenário de 1985 até 1994. Saudosista percorreu a oficina gráfica e apontava onde ficavam as máquinas e equipamentos naquele período. Ela foi recebida pelos jornalistas Vivian Guilherme, Odair Favari, Ludmar Gonzalez e Lourenço Favari.
O teste para que assumisse uma das cadeiras do jornalismo se deu com a produção de uma matéria sobre pernilongos. Quem aplicou a tarefa foi o então chefe de redação José Rosa Garcia. O texto foi publicado na íntegra no dia seguinte e Venturoli, que tinha acabado de se formar em jornalismo, entrou para o segundo jornal mais antigo do país e o de maior prestígio do interior paulista.
Foram dois anos de trabalho até ser promovida a jornalista responsável da publicação. Fato que reiterou o compromisso com a equidade de gênero, já que pela terceira vez alçava uma mulher ao posto de chefia do redação. As outras duas eram, na ordem, Zoraide Davi e Mara Davi. Compromisso também com a profissão e exemplo para as outras empresas de comunicação que ainda nem sonhavam com a tema.
Venturoli lembrou a ocasião que Ulisses Guimarães visitou a redação do Diário no final da década de 1980. De acordo com ela, se tratava de um político diferente, que não utilizava sua equipe de assessores para abrir caminho nos lugares que chegava. Era um modelo que não existe mais, ela argumentou.
Quando saiu do jornal entrou para a televisão e inventou a forma como se faz TV local. Ajudou a construir uma emissora do zero e produziu conteúdos memoráveis que servem de escola para os novos jornalistas avessos ao passado. Aos 57 anos de idade, a jornalista falou sobre a revolução digital, comentou sobre a importância dos jornais impressos e destacou o cenário político nacional. Veja trechos da entrevista.
Na sua opinião o que o leitor quer?
A pessoa quer ler o imediato. Nós vivemos em uma sociedade imediatista, descartável. Você serve hoje, mas amanhã não serve mais. A grande maioria dos leitores de hoje querem ler somente o lide. Mas existem as exceções. Tem gente que sente falta, que lê. No caso de rio Claro, temos uma grande tradição do impresso, da leitura no papel, devido ao grande número de jornais que tem. São dois jornais diários, um semanal e outras publicações. Tem gente lendo. O leitor de Rio Claro ainda conserva o papel.
Você acredita no fim do jornal impresso?
Não. Eu não acredito. Nem no fim do impresso, nem da televisão, nem do rádio. Eu acredito na ascensão do jornalismo digital. Mas as outras mídias vão existir. As outras mídias vão se adaptar. Eu gosto de pegar uma revista, um jornal, um livro, sentar e viajar na leitura. Ao mesmo tempo que acho que a mídia digital é uma ferramenta fantástica, é também uma ferramenta que emburrece e massifica muito mais, porque todo mundo pode tudo e escreve tudo. Eu destruo você em dois segundo se eu quiser, se eu tiver amigos para isso. Eu pago para impulsionar as publicações e até conseguir provar que não é isso é perigosíssimo.
Como avalia a política nacional?
Conturbada! Não é deste governo. Corrupção? Existe. Mas o grande problema da corrupção é o problema da nossa política: que é paternalista e assistencialista. Isso desde a época do café com leite. Não é de hoje, vêm de muito tempo. É uma construção. E infelizmente as pessoas buscam na política uma ascensão de carreira, de poder e, por consequência, uma ascensão financeira. E o povo contribui para isso. Porque o povo é desinformado, massificado.
Você acredita que as pessoas estão mais informadas?
Antes você só via as pessoas discutirem futebol, moda, e não ouvia falar de política. Hoje eles falam de política. Mas também querem ver o umbigo deles. Se tomarem uma multa e irem pedir para retirar, ou pedir um favor para os políticos, isso também é corrupção. Se você para na vaga de deficiente sem cartão, também é corrupção. Corrupção não é só roubo de dinheiro. O povo alimenta a corrupção. É o resultado de toda uma política que tem que ser passada a limpo.
Você acredita na mudança política?
Nós temos que acreditar sim. A esperança é o povo. Só o povo pode fazer alguma coisa. Tem que saber votar, brigar por seus ideias. Não deixar ser usado. A greve dos caminhoneiros é legitima, mas eles foram usados por grupos políticos. Primeiro ponto é que a população tem que ter educação, cidadania. Tem que dar ao povo ferramentas para ele sair às ruas. Eu acredito que o Brasil tem jeito sim. O que está acontecendo, ainda que estejam manipulados e sem muita noção e conhecimento do que estão falando, mostra uma mudança. O problema é que existe um descrédito. Todo mundo quer a mesma coisa, mas eles não acreditam que será feito, porque o governante não dá retorno à população. Então a população precisa se fortalecer, nós somos o coletivo e somos quem determinamos o que queremos.
RÁPIDAS
Mudaria de calçada ao cruzar com: Não mudaria de calçada
Não merece o meu respeito: Corrupção.
A política é: A arte da coletividade.
Não simpatizo, mas respeito: Lobisomem.
Não respeito mas simpatizo: Maluf.
Um ídolo: Ulisses Guimarães.
Um sonho possível: a mudança política do Brasil.
Um sonho impossível: Aquele que você não sonha.
Por Lourenço Favari