“Andamos dez quilômetros a pé, ninguém nos viu passar” – Assim, o poeta português Mario Cesariny, inicia o seu poema De profundis amamus.
Quantas vezes, de fato, não percorremos caminhos insólitos, imaginando que eles nos levarão à felicidade. Cheios de medo, atravessamos uma longa jornada, enfrentando obstáculos de toda sorte e até a descrença em nós mesmos.
Nesse trajeto, há dias angustiantes e noites intermináveis. A tarde demora a passar. E tudo o que nos oferece de presente, ao se despedir, é a luz do sol que vai morrendo aos poucos, nos deixando órfãos de nossa esperança, que se finda.
Há momentos inevitáveis na vida que temos de enfrentar a dor e suportar as lágrimas, mais poderosas que a nossa vontade vã de nos esquivarmos delas.
Momentos em que, sabemos de antemão, que nenhuma palavra, escrita ou falada, produzirá efeito benéfico em nosso coração e em nossa mente, que deve resistir às atrocidades e alcançar o termo desse ritual necessário, embora doloroso, de nosso aprendizado humano e espiritual.
Há pregos que só conhecerão os nossos pulsos. E desse ferimento, por vezes quase insuportável, surgirá, quem sabe, um novo homem, mais forte e mais competente para lidar com as nuances da vida.
A nossa leitura equivocada sobre existência voraz neste mundo, nos impede de olharmos mais além. Presos às condições de um materialismo exacerbado e dominador, esquecemos quem de fato somos, de onde viemos e o que fazemos aqui, nessa curta permanência nossa neste mundo.
Mundo que é apenas e tão somente uma face da vida. Um perfil triste, porém sedutor. Mas a vida é mais que a beleza, o sucesso e a perfeição, tal como os conhecemos. A vida é triunfo da luz sobre as trevas do mal que insistem em nos atormentar.
Os poetas, como Mario, interpretam a vida, cada um seu modo. É uma vantagem que possuem sobre nós. Ao interpretar a vida, eles exercem algum domínio sobre elas. Enquanto nós, reles mortais, cegos da alma, participamos da vida e apreciamos o que nos é possível.
Jack Kerouac, também um poeta, tinha uma frase lapidar para tratar do seu interesse pela vida. Dizia ele: “Da vida, tudo o que quero e o que espero, é escrever livros, viver intensamente, morrer feliz”.
Durante muito, desde minha adolescência, pra ser mais exato, comunguei desse ideal. Hoje, não mais. Cumpri os dois primeiros estágios, cheguei ao terceiro, sem esperança de completá-lo.
Não faz mal, eu me consolo, com as palavras de outro poeta, com o qual me identifico mais. “Sim, minhas senhoras e meus senhores, nascido assim, nisso, como giz de faces sorridentes” – Charles Bukowski, Born into this.
Pergunto-me: O que pode mais escrever esse giz, nessa lousa deteriorada e esquecida, que alguns chamam de vida?