O sangue que corre em nossas veias fala alto. Já tive oportunidade de sentir isto na pele, por mais de uma vez. Uma delas ocorreu há alguns dias, quando caminhava na Unesp, local que me atrai pela sua biodiversidade, árvores imensas e arte natural formada pelas trepadeiras que sobem e descem.
Outro dia, atendendo a um chamado do sangue indígena que corre em mim, sai do caminho habitual e fui mais longe, explorando toda e qualquer passagem que me permitisse caminhar com segurança. Seguindo à direita da portaria, caminhei por trilhas parcialmente cobertas de capim e cheguei a uma rua asfaltada, vendo-me diante de um cenário inimaginável.
A floresta se descortinava à minha frente, a alguns metros, com toda sua onipotência, me atraindo para dentro da mata. Confesso que tremi de ansiedade, pois estava sozinha e fiquei lutando contra minha vontade de adentrar esta reserva natural que me era oferecida, devido aos perigos que poderia enfrentar.
O sangue fervia nas veias. Chegava a sentir o cheiro peculiar da mata nativa, a ouvir o gorjear dos pássaros, e até mesmo sentir os passos de meus ancestrais que dançavam na mata, chamando chuva, clamando pelas graças de Tupã para uma colheita melhor, com a qual pudessem sustentar suas proles.
Lembrei de minha avó índia, que vivia na mata, em um casebre sob as mangueiras, as quais lhe davam a fruta que comia com o sal que escondia embaixo da cama, numa caixa de madeira, pois não podia comê-lo assim, por motivos de saúde. Mais uma vez me vi menina, diante de um ser que não entendia, pois não falava sua língua. Uma avozinha que nunca abracei, pois tinha receio de fazê-lo.
Perdida em meus conceitos de criança, achava que índio era mau, e tinha um pouco de medo de minha avó, já velhinha e inocente, por certo tirada de sua aldeia para viver com algum branco safado que gerou meu pai, mais tarde adotado por uma família de fazendeiros.
Gostaria hoje de retornar àquele tempo de inocência, e fazer a meu pai todas as perguntas que não fiz, saber mais de minha avó, de seus ancestrais, de sua aldeia, de seus costumes. Saber se dançava à luz da lua e se guerreava junto aos seus para que não lhe roubassem a terra.
Outro motivo que faz meu sangue ferver são as notícias que vejo sobre o sofrimento dos índios pelo Brasil afora. Muitas aldeias foram assoladas pelas doenças do homem branco, pois não são imunizados contra ela.
Outras tiveram seus índios aliciados pelas drogas e foram subornadas por elas para entregarem suas aldeias, suas mulheres, seus filhos, suas terras.
Este poder de sedução se globalizou e hoje os “gringos” assediam nossos índios com cédulas verdes que prometem uma vida mirabolante. Vivemos momentos cruciais e inenarráveis, onde os donos da terra são isolados em reservas, na pretensa intenção de protegê-los e a seu “modus vivendi”.
Mas sabemos que isso não acontece. Ao contrário do que se pretendia, as reservas indígenas são chamariscos para “olho gordo” de garimpeiros e exploradores de madeira, em especial para pessoas de mau caráter que se escondem atrás de ONGs estrangeiras, com poder de convencimento.
Com esses fatos, passamos a entender um pouco a fala equivocada que tinha a ex-presidente Dilma Rousseff, quando falava em estocar vento… Risível, mas certamente com base em uma prática que ela já sabia ocorrer e se alastrar como fogo pela Amazônia e outras tantas florestas brasileiras: a biopirataria, que consiste no assédio aos índios, no derramamento de dólares para comprar as florestas, onde querem estocar gás carbônico…
E assim, contratos nebulosos são feitos com os índios, para que estrangeiros tenham acesso irrestrito às suas terras e benefícios sobre a biodiversidade, como os “créditos de carbono” por até 30 anos. Tudo em nome da defesa do aquecimento global.
Assim, os donos da terra já não podem plantar nem colher madeira, e nem mesmo a rocinha de onde colhiam o pão-nosso-de-cada dia, restando-lhes apenas o direito de “saudar a mandioca”. Seduzidos pelos milhões de dólares que lhe são ofertados, esquecem-se que não poderão comê-los quando a fome apertar. Isto, é claro, se eles durarem até lá, dólares e índios…