Hoje a inteligência parece não ter mais lugar. Já a estupidez tomou conta e é vista com simpatia condescendente. E ela pode aparecer de várias maneiras no dia a dia, ou mesmo por um livro da mais de mil páginas. Inteligente é um chato: só traz dúvidas com seus questionamentos. A inteligência e seus labirintos trazem angústia, desamparam. O asno não. Esse é bem-vindo. A burrice alivia, porque faz com que outro burro se console com a burrice alheia, ela agrega iguais em torno de teorias da conspiração mirabolantes, antigas pseudociências, superadíssimas, que não resistem a uma criança estudiosa de 10 anos. Tempos difíceis.
E o que mais se vê, também caio nessa armadilha às vezes, é a irresistível necessidade de responder ou postar algo nas redes sociais cujo assunto não se tem o mínimo entendimento.
Há um indicativo de muita gente sofrendo do tal efeito de Dunning-Kruger, que confere à pessoa uma superioridade ilusória, que a faz acreditar que sabe mais que os outros, que é o melhor do mundo. E o que é pior, esse efeito é contagioso. Basta uma mente meio vazia e que esteja meio que a procura de um pai fictício, ou um guru, quem sabe.
No resumo, quem é mais incompetente se julga o maioral. E isso, infelizmente, está na moda e contagiou muita gente, e vai muito além de simples posições políticas, permeia todas as relações.
É inegável e inegociável que no regime democrático a essência é a liberdade de expressão, tudo mundo deve e tem o direito inalienável de falar, de se expressar, de dizer o que acha. Mas daí querer que uma opinião sem nenhuma base tenha o mesmo peso de quem se debruçou sobre o tema, de quem lê e muito se dedica, aí é uma impostura demasiada ingênua, pra dizer o mínimo. Hoje o papo de buteco ganhou as tribunas, que são as redes sociais. E o sentimento de torcida é o mais forte em tudo isso. Ou se é 100% contra ou se é 100% a favor, fica no ar uma incapacidade de se analisar que a realidade tem nuances, não é monolítica. Há uma ânsia de rotular, de classificar o outro. Assim a pessoa se alivia em sua miséria interior.
É impossível que uma pessoa intelectualmente adulta aceite cegamente, sem questionar, ideologias e religiões institucionalizadas. O que se vê, nos recentes fenômenos da ascensão de uma torta extrema-direita no Brasil, assim como foi com a esquerda, pessoas encontrando conforto infantil em fazer parte de um grupo. E tudo ao que parece pra aplacar o sentimento de rejeição, o complexo de inferioridade que sempre os fazem se sentirem perseguidos. Daí esse espírito de vingança meio no ar no País, em plena pandemia.
Aceitar a tudo bovinamente é um sintoma grave. Discordar, questionar não significa trair. É colocar a cabeça acima da mutidão ou, vamos de clichê mesmo, “desafinar o coro dos contentes”. É saudável, é necessário.