Sem esboçar sinal de esgotamento, o fígado suporta anos e anos de abusos. Há, portanto, uma notória robustez, o que acaba disfarçando uma doença que possui crescimento devastador. Refiro-me à esteato-hepatite não alcoólica ou, como é popularmente conhecida, gordura no fígado.
De acordo com o hepatologista Raymundo Paraná, que preside a Associação Latino-Americana para o Estudo do Fígado, há a estimativa que a esteatose hepática já acometa 40% dos adultos que moram no Ocidente.
A fim de destrinchar a respeito deste mal que atinge milhares de pessoas, o Diário do Rio Claro contatou Ligia Parreira Duarte, médica especialista em endocrinologia e metabologia.
Detalhes
De acordo com doutora Ligia, trata-se da doença do fígado gorduroso, ou seja, a presença no fígado de muito mais gordura do que seria o habitual. “O fígado é um órgão que normalmente contém gordura porque ele também a utiliza para produção de várias outras substâncias.
Há, aliás, muitas substâncias em nosso corpo que são construídas a partir da gordura, inclusive a própria energia de quando estamos sem nos alimentar por mais de quatro ou seis horas. Ter gordura no fígado é algo normal e é necessário para o funcionamento adequado do nosso corpo”, explica a especialista.
Doutora Ligia enfatiza que o fígado é basicamente uma “usina de transformação”: todos os alimentos que ingerimos vão, depois do processo de digestão, para o fígado e ele os transforma ou em energia ou em estrutura proteicas que serão como que peças de reposição de todas as outras células do nosso corpo.
Conforme a profissional, ele também transforma todos os medicamentos, bem como todas as substâncias não alimentares que ingerimos e se encarrega de aproveitar o que é para ser aproveitado e de eliminar aquilo que seria nocivo ou tóxico. “Então, ele é um órgão vital de extrema importância no nosso corpo. O acúmulo exagerado de gordura nessas células do fígado faz com que ocorra a esteatose hepática”, explana.
Lígia diz que, em si, ela é quase que uma consequência natural do próprio envelhecimento, uma vez que o corpo humano, ao envelhecer, guarda uma energia de reserva na forma de gordura no abdômen para que no final da vida, se houver necessidade de uma energia extra, essa gordura seja utilizada. Trata-se, portanto, de uma fonte emergencial de gordura, sendo normal que com a idade haja um acúmulo um pouco maior de gordura no fígado.
Quando passa a ser nocivo?
A especialista em endocrinologia e metabologia afiança que torna-se doença quando esse acúmulo ocorre muito precocemente na vida do indivíduo ou essa deposição de gordura ultrapassa um certo limite e danifica as células hepáticas, que passam a sofrer um processo de inflamação pelo excesso de gordura, podendo haver rompimento e consequente morte celular.
Causas
Segundo doutora Ligia, a principal causa é a obesidade, principalmente o excesso de gordura no abdômen, a chamada obesidade visceral. “Com a morte das células que se rompem, inicia-se o processo de regeneração. Essa regeneração faz com que a arquitetura, ou a disposição normal das células, se perca. Surgem áreas de maior fibrose, áreas de tecido cicatricial, que podem comprometer a função do órgão como um todo.
Esse processo de cicatrização, se muito intenso e persistente, leva a um quadro mais grave denominado Cirrose hepática. Pela grande quantidade de inflamação e agressão contínua, há maior probabilidade do aparecimento de câncer de fígado”, expõe a especialista.
Detecção
Doutora Ligia afiança ser rotina a solicitação de exames laboratoriais para avaliação da função hepática em indivíduos com excesso de peso, obesidade abdominal, hipertensão, dislipidemia, diabetes, porque “certamente a Esteatohepatite poderia ser a causa comum a todas essas doenças, que constituem a chamada Síndrome Metabólica.”
Há cura?
A profissional é enfática: “nós nunca vamos ter uma cura completa, mas ocorre uma melhora bastante significativa, às vezes, com total normalização de todos os exames laboratoriais com a perda de peso. Aquele indivíduo que está numa fase inicial, onde ainda não há diabetes, onde ainda não há doenças graves como consequência da presença dessa gordura, ele, perdendo peso através de dieta, através de atividade física, consegue reverter parte da doença”, esclarece.
Ressalta, porém, que para casos mais avançados, onde só as medidas mencionadas não resolvam, existem drogas que, associadas ao tratamento das outras alterações metabólicas presentes (Diabetes, dislipidemia, hiperuricemia), são capazes de reverter parcialmente o quadro.
Prevenção
“A melhor forma de prevenir a esteatose hepática é manter o peso normal, uma dieta saudável livre de toxinas como álcool, fumo, drogas e, principalmente, evitar o ganho de peso excessivo”, conclui doutora Ligia Parreira Duarte.