“Eu não fiquei rico pelos bons negócios que fiz, mas pelos negócios ruins que deixei de fazer”.
Prudente nos investimentos e hábil negociador, Geraldo Leonardo Zanello raramente deixou de seguir ao pé da letra essa frase que costumava repetir e que talvez defina quase com perfeição a sua trajetória de vida.
Uma das poucas vezes que deixou de lado a cautela habitual e não deu a menor importância aos lucros ou prejuízos foi em dezembro de 1980, quando adquiriu o “Diário do Rio Claro”, atualmente o segundo jornal mais antigo em circulação (apenas atrás do “Estadão”) no território paulista.
Fundado em 1º de setembro de 1886 pelo jornalista, tipógrafo e barbeiro José David Teixeira, o matutino que noticiara a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República, a Revolução Constitucionalista de 1932, duas guerras mundiais, a chegada do homem à Lua e tudo o que acontecia na “Cidade Azul” enfrentava sérias dificuldades financeiras.
Diante do risco de que aquele jornal que aprendera a admirar ainda na infância, ao lado dos pais e irmãos no bairro Cidade Nova, caísse em mãos erradas e, por qualquer motivo, se desviasse do caminho de retidão e defesa dos legítimos interesses da população, Zanello não hesitou em comprar o “Diário” da família David.
Na época, ele já era próspero empresário do ramo automotivo, sócio, ao lado da esposa, professora Jacira Russo Zanello, das concessionárias Rival (revendedora Chevrolet constituída em março de 1972) e Adrival (revendedora Ford inaugurada em setembro de 1979), ambas em Rio Claro, e Lival (revendedora Chevrolet aberta em julho de 1980), no município de Limeira.
O Brasil em geral e o Estado de São Paulo em particular desfrutavam de um período de vasto crescimento econômico – cenário ideal para alguém que no início da década de 1960 dera os primeiros passos no mundo empresarial por meio da abertura de uma pequena oficina mecânica com venda de peças na rua 1, número 464.
Ali foi plantada a semente que nos vinte anos seguintes se transformaria praticamente num império no setor de venda de automóveis. Tudo isso, vale destacar, sem ignorar o trabalho como docente na antiga Escola Técnica Industrial, atualmente Etec “Professor Armando Bayeux da Silva”, onde Zanello dava aulas na disciplina “Construção de Máquinas e Motores”.
A partir da compra do “Diário”, porém, Geraldo Zanello passou a dedicar boa parte de seu tempo ao veterano órgão de imprensa, que registrou um processo de modernização e ampliação jamais visto. Em 1983, por exemplo, a velha impressora tipográfica deu lugar a uma rotativa offset, fato inédito em Rio Claro e na maioria das cidades interioranas. Quase no mesmo período, Zanello adquiriu a Rádio Itapuã FM, emissora Classe A que integrou-se ao grupo de comunicação encabeçado pelo “Diário”.
Depois de encerrar as atividades das concessionárias de veículos, Zanello passou a acompanhar ainda mais de perto o dia a dia do jornal. Uma das coisas de que se orgulava era a saúde financeira do “Diário”, que mesmo nos momentos de crise econômica e consequente queda na receita nunca recorreu a empréstimos bancários para seguir em frente.
Até o início de 2017, quando adoeceu, ele dava expediente todos os dias numa pequena sala no prédio da avenida 2, 1046, que abrigava a administração, redação e oficinas havia pelo menos 35 anos. Essa rotina só fez aumentar o seu carinho pelo velho “Diário”, com quem Geraldo Zanello estabeleceu uma relação acima de tudo passional, daquelas marcadas por algumas brigas, que oscilam da calma à agitação em poucos minutos, mas que, no fim de tudo, sempre acabam em reconciliação.
E foi justamente essa paixão que o empresário turrão, de gênio difícil, porém disposto a socorrer, sem alarde, muitos que a ele recorreram em momentos de dificuldade, fez questão de manifestar ao se aproximar o momento derradeiro de sua permanência no plano terreno.
Uma das suas últimas vontades foi a de que o “Diário” permaneça na família e nunca seja vendido. Como resposta, ouviu de seus sucessores o compromisso de que, em sua memória, o matutino não apenas seria preservado, mas também passaria por um grande processo de transformação, sem poupar esforços e investimentos, para se perpetuar como o “Arquivo Histórico da Família Rio-Clarense”.
Por José Rosa Garcia é jornalista. Foi redator-chefe do Diário de 1983 a 1985 e de 1994 a 1996.)