Ela se apodera de nós silenciosamente, um pouquinho por dia, e quando vemos, já estamos dominados por esta feiticeira moderna, que nos leva a deixar lado os afazeres, família e amigos.
Reconheço que ela nos deixa viajar sem ter dinheiro, conhecer outros países, outros costumes, falar com alguém do outro lado do mundo.
Nos ensina, num teclar de dedos, tudo o que quisermos aprender, pois abrange tudo, e tudo conhece e propaga numa velocidade assustadora.
Mas, ao meu ver, ela é mais destruidora que edificante: destrói a inocência da criança e do adolescente, ilude mulheres solitárias e homens gananciosos. Quem se deixa dominar por ela envereda por caminhos nunca antes imaginados, perde a noção da realidade, se afasta de tudo e todos e passa a viver como um robô.
É assim que a vejo a Internet. Uma feiticeira má, que acena com doces e guloseimas e invade nossas vidas, sugando tudo que é bom. Nada mais de reunião com a família aos domingos, com todos à mesa, livres, leves e soltos, pois é rara é a mesa onde não tem um celular.
Os jovens, aos poucos, perdem a educação que receberam dos pais. Os que a receberam, é claro, pois muitos pais já estão enfeitiçados e dão o exemplo, escondendo-se atrás da telinha, num alheamento total…
A verdade é que estamos nos transformando em extraterrestres, viajando por galáxias nunca antes imaginadas, captando mensagens boas e ruins, treinando para ser cada vez mais invisíveis, muitas vezes semeando o mal.
E quando uma dessas coisas ruins desembarca na realidade, as monstruosidades aparecem. Vimos recentemente pelo mundo afora casos de pessoas que invadem igrejas, clubes e escolas, ceifando vidas aleatoriamente, inspirados em séries de TV, jogos ou sites manipuladores.
São seres dominados pela feiticeira. Desembarcam de seus discos voadores e friamente estendem suas garras para os humanos, pois eles já não são mais seus próximos: são bonecos de games, alvos para se atirar.
Muitas vezes sinto-me dentro de uma história de Saramago: a esposa deixa a comida queimar enquanto tecla no celular. O marido não dá atenção à família, pois posta fotos de seu carro novo. O aluno deixa o professor falando sozinho enquanto aprende a fazer bombas em um site do outro lado do mundo.
O padeiro já não faz o pão, pois não tem tempo para sová-lo. O leite azeda nas leiterias pois funcionários não o tratam mais. Já não há alimento na mesa, pois o homem do campo deleita-se acompanhando as redes sociais.
O escritor já não escreve, pois tem que responder às mensagens e procurar imagens lindas para se inspirar. O artista que pintava olhando a natureza, faz réplicas de geleiras e montanhas de um lugar que não conhece.
O celular substitui a oração, antes mesmo de irmos ao banheiro pela manhã. Adolescentes tem aulas on line de como emagrecer até a morte. Outras cometem o suicídio seguindo sites que ensinam o passo a passo.
Sutilmente a feiticeira tece sua teia e vai fechando cada vez mais a trama, amealhando adeptos. Somos comandados por sinais sonoros de todos os tipos, que nos tiram a concentração e exigem nossa atenção. Dane-se o trabalho, dane-se a família. Dane-se Deus!
E assim nos deixamos invadir, permitindo que nossos filhos e netos se tornem estranhos dentro de casa. Até que um choque, como o do atentado à escola em Suzano, nos traga de volta à realidade, pois ali morreu o meu filho. Ou morreu o seu neto.
Até que, ao lermos uma mensagem num farol ou atendermos a um chamado no celular enquanto dirigimos, a vida nos é levada. Bestamente, tolamente, tecnologicamente envenenados.