Fazer ou não fazer: o carnaval com dinheiro público
A decisão de realizar ou não o Carnaval com recursos públicos é uma questão complexa que divide opiniões nas cidades do interior de São Paulo. A expressão “ser ou não ser”, de Shakespeare, resume bem o dilema enfrentado pelos gestores municipais, que precisam equilibrar a realização de um evento cultural de grande porte com a necessidade de alocar recursos para áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura. No interior paulista, o Carnaval é mais do que uma simples festividade; é uma manifestação cultural profundamente enraizada nas comunidades. Para muitas cidades, representa o evento mais importante do ano, um momento de celebração das tradições locais e fortalecimento dos laços sociais. O Carnaval também serve como palco para grupos historicamente marginalizados, como mulheres, pessoas LGBTQA+ e movimentos sociais, que encontram neste evento um espaço de visibilidade e resistência.
Investir recursos públicos no Carnaval pode ser uma forma de valorizar essas tradições e promover a inclusão social. O Carnaval é, como observam os antropólogos, “um rito de inversão, onde as hierarquias sociais são temporariamente suspensas”. Além disso, é um “território de disputa simbólica”, onde identidades marginalizadas ganham voz. Contudo, surge a questão: até que ponto esse investimento é justificável diante de outras necessidades urgentes?
Em termos econômicos, o Carnaval desempenha um papel crucial na movimentação financeira das cidades paulistas. Em 2024, estima-se que o evento tenha gerado R$ 5,72 bilhões em movimentação econômica no estado e atraído cerca de 4,4 milhões de visitantes. Com a ocupação hoteleira atingindo 70,75% e municípios como Pirapora do Bom Jesus, São Luiz do Paraitinga e Leme registrando 100% de ocupação, o impacto econômico é evidente. Estudos indicam que o Carnaval pode aumentar a movimentação econômica local em até 30%. A festa gera empregos temporários, movimenta o comércio, a gastronomia e o setor de serviços, além de atrair turistas que gastam em transporte, alimentação e hospedagem. Por exemplo, o “CarnaLeme” e os desfiles de bonecos gigantes em Monteiro Lobato são atrações que atraem turistas e geram renda. Porém, o evento também exige investimentos substanciais em infraestrutura, segurança e saúde, e em cidades menores com orçamentos limitados, isso pode significar menos recursos para outras áreas essenciais.
A alocação de recursos públicos para o Carnaval também traz à tona questões de responsabilidade fiscal e transparência. É essencial que os gestores públicos justifiquem os gastos e demonstrem como os investimentos no evento beneficiarão toda a população. Órgãos de controle e fiscalização apontam que os eventos culturais devem ser acompanhados de planejamento, transparência e prestação de contas, a fim de garantir que os recursos públicos sejam aplicados de maneira eficiente. Em muitas cidades do interior, onde a fiscalização pode ser mais difícil, há um risco de má gestão ou desvios de verba. Além disso, é fundamental garantir que o Carnaval não favoreça apenas uma parcela da população. Para aqueles que não participam da festa, a alocação de dinheiro público pode parecer injustificável, o que exige uma reflexão sobre como equilibrar as demandas coletivas e individuais. Além disso, a gestão eficiente dos recursos, com a participação ativa da comunidade, pode resultar em um Carnaval mais inclusivo e representativo, atendendo às necessidades culturais e econômicas das cidades sem comprometer outras áreas essenciais. A decisão de realizar ou não o Carnaval com dinheiro público é uma escolha complexa, que vai além do simples “sim” ou “não”. A festa, com sua importância cultural e econômica, representa uma oportunidade única de promover a identidade local, gerar empregos e atrair turistas. No entanto, também traz desafios significativos, como o impacto nos orçamentos municipais e a necessidade de priorizar outras áreas, como saúde e educação. O Carnaval, sendo uma festa do povo mas deve ser incentivado e financiado de forma responsável e transparente. Assim como uma marchinha fúnebre: “Em uma cidade onde não há fiscalização e não há transparência, qualquer telão alugado é motivo de ojeriza…
Referências
DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis: Para uma Sociologia do Dilema Brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
Cruvinel, Eduardo Henrique de Paula. Estudo do impacto econômico do Carnaval de 2018 em Belo Horizonte – MG. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2019.
Secretaria de Turismo e Viagens de São Paulo. “Carnaval 2024 será o mais movimentado dos últimos cinco anos em SP.” Publicado em 09/02/24, disponível em: Secretaria de Turismo e Viagens de SP.
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