Tardiamente, devo dizer, fiz as minhas melhores descobertas musicais. Sou um sujeito do século 20, não tem jeito. Criança nos anos 70, adolescente em meados dos 80, jovenzinho no início dos 90. E me deixem em paz.
Quantas vezes não ouvi uma ou outra música, que ficou para todo sempre em minha mente perturbada e em meu coração combalido e sequer pude saber o nome da música e qual banda a tocava.
Em tempos de rádio de pilha e emissoras AM/FM isso era comum. E quando a MTV chegou atropelando, em meio a chuviscos e à melodiosa The Crying Game, do menino Jorge, eu já estava na curva descendente da vida, que parece não ter fim.
Só bem depois, quando a poeira da esperança varrida já havia baixado e levado consigo meu resquício de tônus espiritual, eu fui saber quem era, de fato, Joy Division e Echo and the Bunymen.
E o som dessas bandas ícones do pós punk, que trazia intacto comigo, nos mais inconfessáveis recônditos da alma perdida que sou, então, ganharam aparência, forma e conteúdo.
E quando pus pra tocar o Cd do JD, em um velho e rudimentar aparelho adquirido a módicas prestações nas Casas Bahia, lembro de ter dito algo como: Eis aí o que fala à minha mente e ao meu coração.
Eu que já trazia o som instigante do Smiths como pano de fundo das histórias que pretendia contar em contos inacabados e romances mal escritos; eu que me refugiava em instantes de dor e revolta, nas batidas marcantes do The Cure, naquela voz rouca, louca e perturbada de Mr. Robert; eu que fui catapultado às loucuras inconfessáveis, às frustrações mais ressentidas, às besteiras idealizadas e às promessas jamais cumpridas ao ritmo de Pink Floyd, que descobri primeiro em um pôster colado na parede do quarto lá de casa, que eu dividia com meu irmão, antes dele se casar; eu que me deixei levar gostosa e indolentemente ao contágio irresistível de Elton John e David Bowie – Heroes, Skyline Pigeon “Turn me loose from your hands / Let me fly to distant lands. Cinquenta anos que essas palavras foram gravadas em meu coração e em minha mente, as coisas de que sou feito.
Muito antes de eu saber e entender o valor de um livro; de ser apresentado à Pessoa e Helder e Quintana. Bem antes de eu aprender a ordem direta das frases, a linearidade da narrativa, os parágrafos breves; e me lembrar que ação necessariamente não é movimento; e antes que Bauman me revelasse que todo sólido se desfaz no ar. Bem antes de tudo isso…
Devo confessar, estimado leitor, que primeiro odiei Saramago e Rosa; objetei a Thomas Mann, tive ojeriza por Alfred Döblin e Musil. E Lúcio Cardoso não passara diante de meus olhos de um pederasta confuso e enrustido, amante de Clarice…
Até que as escovadas doídas que a vida nos dá, que atende pelos nomes sugestivos senão cínicos, de frustração, decepção, medo, ansiedade e expectativa; até que tudo isso acontecesse, enfim… eh, minha vida, como diria Herberto: Lá embaixo, minha boca está coberta de fogo.
Até que eu entendesse, de fato, o que é poesia e o que é literatura, foi a música, que me manteve às margens da lucidez e me preparou para a batalha jamais vencida. A música. A música pano de fundo e som ambiente, cor e dor e segredo não revelado, que fez eclodir de dentro de mim, todos os meus sentimentos, os melhores e os piores, que me revelou todas as possibilidades, que me estimulou começar a escrever. Começar ou recomeçar? Até hoje não sei, tenho dúvidas. Que importa?
Tive a sorte de me dar por gente, de crescer, passar pelas fases perigosas e decisivas da vida, a infância, a adolescência e a juventude, ouvindo muita coisa boa e bacana. E que ouço até hoje e ouvirei sempre. Porque, embora já na casa dos cinquenta, para além da metade do caminho, em espírito, que sou, ainda tenho vinte e poucos anos. E, por vezes, 15 ou 16.
Eu que fui aos prantos ao chegar em casa, depois de ter assistido no Cine Excelsior à Dama de Vermelho; eu que odiei Arthur o Milionário Sedutor, sujeito burro; agora, me lembro dessas coisas, e dá vontade de ter o copo na mão e o cigarro no canto da boca, dá vontade de poder dançar aquela do A-ha com o rosto colado, naquele julho de 88, que ficou lá atrás, quase esquecido, e ficará para sempre.
Diz aí, Christopher Cross: Best that you can do – Não deixe morrer os meus sonhos.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Reprodução