“Sou um cara apaixonado por fotografia e que fez a carreira profissional como repórter fotográfico”.
Com esta frase, o Centenário, a partir de agora, relata a história de Eugênio Goulart, 51 anos, campineiro e detentor de uma carreira ímpar dentro do fotojornalismo, uma vez que neste domingo (2) é celebrado o Dia do Repórter Fotográfico que, por intermédio de suas lentes repletas de sensibilidade, registra, por intermédio de jornais, revistas e portais noticiosos, a história.
Ao Número 1, Goulart conta que depois de viver em Campinas, Rio Claro e São Sebastião, se fixou em São Paulo, onde vive desde 1995.
INÍCIO NA PROFISSÃO
“Rio Claro foi muito importante na minha formação profissional. Também foi em Rio Claro que conheci a mulher com quem vivo até hoje que, por sinal, era repórter no Diário do Rio Claro (Andrea Moraes). Em São Paulo, minha carreira se consolidou com coberturas importantes em diversas áreas da notícia”, expõe o fotógrafo. Goulart diz que durante o curso de jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), teve aulas de fotojornalismo e se interessou bastante pela área. “Recém-formado em 1992, fiz ‘freelancer’ como repórter fotográfico cobrindo um desfile de carnaval em Campinas e uma assembleia sindical em Limeira. Ainda em 1992, cheguei a Rio Claro, onde escrevia e fotografava para a revista ‘Sucesso’, publicação regional da ‘Tipografia Costa’, sob comando editorial de Afonso Bovo”, recorda-se. De acordo com ele, em 1993 conseguiu seu primeiro emprego como repórter fotográfico em um periódico da cidade e nunca mais voltou para o texto.
CIDADE AZUL
Ao Diário, Goulart rememora que, nessa época, fez matérias com os orquidófilos da cidade – até hoje se lembra dos ensinamentos do Sr. Aniel Carnier (considerado um ícone da orquidofilia) –, também sobre a natureza em Analândia, criação de cavalos na região, a vida noturna regional, e também um show de Zezé Di Camargo e Luciano, o primeiro de grande porte que fotografou.
Goulart faz menção a dois fatos que marcaram muito sua passagem por Rio Claro: a cidade sendo administrada por um ex-prefeito preso – inclusive, recorda-se que fotografou a volta do chefe do Executivo à prefeitura –, além da tragédia que se deu na estrada entre Rio Claro e Piracicaba e que vitimou 19 estudantes da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), em 1994.
“Durante a noite, logo após o acidente, fui para a frente do IML para onde eram levados os corpos e, além fotografar esse momento terrível, ainda tinha que olhar para ver se não havia algum amigo ou conhecido. No dia seguinte, foi a primeira vez que vi uma cidade inteira completamente abalada, com uma tristeza palpável no semblante de todos”, relembra, acrescentando que sua passagem pelo jornalismo em Rio Claro se encerrou com a cobertura da torcida durante a copa de 1994, quando o Brasil foi tetracampeão.
OFÍCIO: O QUE ABSORVEU?
“Na vida, a gente sempre aprende, mas o trabalho como repórter fotográfico nos mostra algumas coisas mais de perto, sem o ‘filtro da imprensa’ ou de quem nos conta a história”, enfatiza Goulart.
O profissional afiança que passa por situações difíceis e perigosas, mas, ao mesmo tempo, aprende a ouvir as pessoas e a prestar atenção aos detalhes. “E a não acreditar em tudo que lê ou ouve. E, acima de tudo, aprendi que a ética está acima de uma notícia espetacular”, assevera.
Goulart conta que, certa vez, um delegado ligou para o jornal onde trabalhava e para um concorrente dizendo: “parabéns, vocês mataram uma testemunha do crime”. Segundo ele, esse caso se deu em uma favela conhecida de São Paulo e, durante a madrugada, os dois jornais fotografaram e depois publicaram a foto de uma testemunha de um crime. Em menos de uma semana, essa pessoa foi assassinada para não depor no caso. “Na cobertura policial, é muito importante ter esse cuidado em não expor vítimas e testemunhas de crimes, pois nunca se sabe o que pode acontecer. E essa responsabilidade se aplica aos mais diversos campos, não apenas ao jornalismo policial”, pondera.
A FOTO IDEAL: COMO DEVE SER?
Para Goulart, a melhor foto para uso jornalístico deve ter, em primeiro lugar, informação, mas um conjunto de qualidades como ineditismo, beleza e boa composição, que são elementos que completam a mensagem e fazem com que ela se torne uma grande foto.
VOCAÇÃO OU TRABALHO?
Goulart garante ser um misto das duas coisas. “É trabalho, porque exige dedicação, suor e também é o que coloca comida em nossas mesas, mas também é vocação, pois sem ter um ‘que’ a mais, você não passa do óbvio e faz um trabalho mediano, que não se destaca”, assegura.
Em sua concepção, um fotógrafo tem que enxergar um pouquinho a mais do que os outros cidadãos; enxergar o fato e como a luz está interagindo com a cena. Isso, de acordo com ele, faz a diferença. “Ao fotografar, a câmera é apenas o objeto do trabalho, mas a boa foto se faz usando um ‘trio’: os olhos, as mãos e a mente com a sensibilidade e todo o conhecimento de fotografia e da realidade que temos. Boas câmeras e lentes ajudam, mas sem esse ‘trio’, não se faz uma boa carreira na fotografia”, enfatiza.
OBSTÁCULOS
“Obstáculo é o cotidiano do fotojornalista”, assegura Goulart. Certa vez, relata que, ao fotografar uma agência de turismo que havia fechado deixando clientes “na mão”, levou um empurrão da irmã de uma funcionária que estava na empresa pegando seus pertences. Conforme ele, uma agressão leve num momento onde nem imaginava encontrar problema algum.
Todavia, confidencia que também já esteve em risco quando foi preciso se descolar a um local onde testemunhou uma troca de tiros. Rememora que já entrou em um terreno com cachorros bravos para conseguir fotografar uma rebelião da Febem (hoje Fundação Casa). “Fui, também, abordado por traficantes que dominavam uma favela ao fazer uma matéria sobre o fato do lugar ser uma área de risco de deslizamento de terra; já estive em lugares com fogo e risco de explosão e desabamento; tive que fugir de pessoas atirando pedras, e isso não é uma questão pessoal: é uma condição da profissão.
Os riscos podem ser desde pessoas que não querem que algo se torne público, risco de assalto – por usar equipamentos fotográficos chamativos –, obstáculos naturais, enfim, muita coisa. Certa vez, quase caí numa cova ao fotografar o enterro de um monitor que tinha sido assassinado em rebelião da Febem de Franco da Rocha. Com certeza, é um dia a dia sem rotina”, expõe.
O QUE PROCURA PASSAR?
Goulart enfatiza que, para ele, o primordial é informar os leitores sobre o que está acontecendo e, depois disso, vem a intenção de obter a melhor foto.
Para o fotógrafo, o “algo a mais” pode ser emoção, beleza, cores, uma maneira diferente de mostrar a mesma coisa. “Sendo assim, o que pretendo dizer com minha fotografia é a verdade”, assevera.
FATORES RELEVANTE PARA UMA BOA FOTOGRAFIA
“Ter clareza do que quer mostrar a partir daquela foto ou sequência de fotos e pensar em como conseguir o melhor resultado. Uma boa iluminação, que pode ser luz natural, flash ou outras fontes, como um poste ou farol de carro, por exemplo”, destaca Goulart, que acrescenta que domínio e qualidade do equipamento, principalmente em situações difíceis, são importantes.
EXPERIÊNCIAS INTENSAS
Goulart afirma que vários fatos marcaram sua carreira. Um deles, foi sua primeira foto de uma pessoa morta. De acordo com o fotógrafo, foi num acidente de carro na rodovia Washington Luís, em Rio Claro. “Nunca mais me esqueci do rosto dessa pessoa”, admite.
Outra situação tensa e intensa que viveu foi a cobertura do acidente aéreo com um avião da TAM, em São Paulo, em 2007. Todas as 187 pessoas que estavam no avião e outras 12 em solo morreram. Goulart relata que havia acabado de passar por ali e chegado em sua casa fazia minutos. “Olhei pela janela do meu apartamento e vi as chamas da primeira explosão por cima do prédio que fazia fundo com o meu. Peguei o equipamento e fui descobrir o que havia acontecido.
Cheguei pelos fundos do prédio, vi e fotografei pessoas dentro do galpão da TAM socorrendo vítimas que estavam no edifício. Só depois disso é que fui para outro lado e, então, me deparei com uma enorme ‘rabeta’ com a marca da empresa em meio a muitas chamas e me dei conta do tamanho da tragédia. Nessa hora, não fazia ainda ideia que o acidente havia vitimado muitas pessoas”, declara. “Foram minutos muito intensos e que renderam fotos que rodaram o mundo. Esse foi meu trabalho de maior destaque”, admite.
Por outro lado, Goulart afirma ter uma história linda e que faz com que se emocione até hoje. Segundo ele, certa vez foi ao Jardim Ângela, bairro considerado violento da capital, procurar uma menina que foi flagrada por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Educação dando aula no lugar da professora de matemática. “Essa era a Fernanda, então com 13 anos em maio de 1998.
A repórter que estava comigo conversou bastante para entender a cabeça daquela menina, que disse querer ser professora e que tinha o sonho de ser modelo. Ela disse também que recebia uns trocados da professora todo mês e que estava guardando para, um dia, a mãe comprar uma calça jeans para ela. Prontamente, a repórter perguntou: ‘mas você nunca teve uma calça jeans?’. A resposta foi que ‘sim’, mas que nunca teve uma calça nova que ela pudesse escolher e comprar. Havia tido apenas de doações”, conta.
Goulart diz que fez “umas fotos bem bonitas” mostrando-a em casa e, no dia seguinte, estava a garota na capa do “Diário Popular” com a irmã e seus bichinhos de pelúcia, além de texto contando a história e sonhos de Fernanda. Ele diz que ao chegar ao jornal no dia seguinte, a repórter já estava à sua procura para que voltassem à casa da menina, pois duas lojas haviam ligado oferecendo à criança uma calça e uma jaqueta jeans.
“Mas o melhor ainda estava por vir. No dia seguinte, apareceu a repórter emocionada a me contar que um empresário havia pedido o contato da menina, pois iria dar a ela uma bolsa de estudos. Essa é uma prova que o jornalismo, além de mostrar tragédias, pode fazer bem às pessoas. É uma profissão linda”, ressalta.
MENSAGEM AOS LEITORES DO DIÁRIO
“Paz, amor, ética e tolerância. Essa é a base de tudo. Não é com ódio, nem violência que vamos viver melhor. E para quem sonha em trilhar uma carreira no fotojornalismo ou mesmo noutras áreas do jornalismo, que tenha sempre a ética e a verdade como pontos de partida na profissão”, aconselha Goulart.
Roberto Copriva marcou época e influenciou gerações
Tendo seu pai, Rodolpho Copriva Júnior como “professor” e mentor, Roberto Copriva, desde os sete anos de idade, acompanhava o pai em todos os lugares. Era o responsável por carregar os equipamentos fotográficos. Muito precocemente, aos dez anos, já atuava como fotógrafo profissional, conforme destaca sua filha, Marta Maria Copriva. Assim como seu genitor, Copriva fez história em Rio Claro. Dedicou sua vida à fotografia: trabalhou em diversos locais e, inclusive, fez alguns trabalhos para o Diário do Rio Claro. Hoje, Copriva encontra-se com 77 anos, sendo 65 dedicados à fotografia. “Meu pai e meu avô registraram momentos históricos de Rio Claro por muitas décadas. O legado por eles deixado é inestimável”, orgulha-se Marta Maria.
Por Murillo Pompermayer