A cada quinze dias, frequento reuniões de um grupo de literatura nota dez!
O grupo se reúne no Gabinete de Leitura e, além de crescimento cultural, proporciona novas amizades e momentos incríveis de descontração, uma vez que convivemos com artistas, escritores e simpatizantes de todas as idades e profissões. Mas, costumo dizer que as pérolas ficam sempre para o final, quando restam apenas algumas pessoas que não se importam com trocar alguns minutos da vida lá fora, por outras experiências.
Dona Antonia é uma delas. Costumo dizer que ela é a mascote do grupo. De origem portuguesa, inteligente e ativa, a amiga nos surpreende sempre com “causos” pitorescos que viveu ao longo de seus 72 anos e que acrescentam muita sabedoria à sua bagagem. Sempre alegre e bem disposta, ela nos conta suas histórias com tanta autenticidade que, mesmo que sejam passagens tristes, rimos e apreciamos cada vez mais a narradora.
Vencedora na luta contra um câncer e ainda com alguns problemas de saúde, além de frequentar o grupo a amiga estuda violão no CEU Mãe Preta, e ainda frequenta espetáculos culturais aos quais tem acesso. Tudo com o entusiasmo de uma mocinha de 15 anos!
Outro dia, antes das eleições, não fosse o lado triste da situação eu teria morrido de rir com a narrativa de uma consulta que ela fez na rede de Saúde Pública local, quando voltávamos do Centro Literário. Antenada em tudo, dona Antonia perguntou ao médico que a atendia se ele era cubano. Sentindo-se ofendido, o médico passou a humilhá-la, dizendo que não aguentava mais ouvir sua “vozinha irritante” (um sotaque português muito agradável de se ouvir), e que sabia muito bem onde ela queria chegar. A seguir, encerrou a consulta sem o encaminhamento médico que a paciente tanto precisava e a dispensou, dizendo que iria providenciar para que da próxima vez ela fosse atendida por outro médico.
Minha indignação logo foi substituída por espanto e admiração, quando a amiga acabou de contar seu “causo”. Disse que pediu desculpas ao médico, caso o tivesse ofendido, mas, mesmo assim, foi encaminhada à atendente para marcar nova consulta. Quando chegou à portaria, a funcionária já se antecipou, dizendo que iria marcar a próxima consulta com outro médico, ao que a amiga revidou: “não quero consulta com outro médico. Quero consulta com este médico mesmo, ele é tão bom, me atendeu tão bem e, depois, sabe perfeitamente onde quero chegar com essa minha ‘vozinha irritante’…”
Recriminei a amiga e disse-lhe que ela deveria marcar com outro médico, pois não mais seria bem atendida por este. Insisti para que sua filha a acompanhasse nas próximas consultas, pois não achava correto um médico tratar um idoso como ela foi tratada, por mais inconveniente que ela possa ter sido.
No mês seguinte, perguntei à dona Antonia se ela tinha ido a outro médico e se a filha a acompanhara. Com seu lindo sotaque, ela me contou que tinha driblado a filha e retornado sozinha ao mesmo médico: “cubano ou não, foi com ele que comecei a me consultar. E se o ofendi, tinha que ter a chance de desfazer meu erro”.
Ela contou que pediu desculpas novamente, diante do que ele a abraçou e concluiu a consulta de forma competente e humana, como é dever de todo médico, qualquer que seja sua nacionalidade. Ainda envolta na magia de sua fala, perguntei à amiga: “afinal, o médico era cubano ou não?”. A resposta veio rápida, embrulhada em um sorriso confiante e inocente: “sabe que não perguntei?”
Obrigado, Maria Teresa! Talento tem você, sempre perspicaz e correta em suas análises. Creio ainda que o que temos de melhor tem que ser dividido. Sem escrever, vegeto. Escrevendo e sentindo-me entendida, sinto-me forte para enfrentar as adversidades, pois este é o dom que Deus me deu e que comecei a explorar justamente no Diário do Rio Claro, onde dei meus primeiros passos na escrita e na profissão… Se hoje tenho um MTB, devo a este jornal. Gratidão eterna.
Obrigado, Day… Tem fatos que gritam dentro de mi, e só se acalmam os sentimentos quando os coloco no papel… Espero que ajude as pessoas a refletirem e amenizarem estas tristes situações…
Espontâneo e criativo o texto de Nilce Franco Bueno. Transformar vivências cotidianas em arte literária é talento.
Amei!!! Parabéns!!!