De todos os empréstimos que a vida nos faz, o mais difícil de administrar é o empréstimo dos filhos. E o pior é que demoramos para cair na real e vermos que são apenas empréstimos. Inicialmente, achamos que são presentes da vida para que nos completemos, para que sejam nossos receptáculos de sonhos e ambições, para que sejam tudo o que não conseguimos ser, e muito mais.
Se for menina, embrulhamos para presente desde cedo, sem faltar laçarotes na cabeça, com muitos bordados e frufru nos vestidos. Se menino, desde bebê já o vestimos com camiseta de nosso time preferido. Mais tarde, com jeans e ternos para mostrar que são homens como o pai.
Independente de sexo, lhes damos o leite, a papa, o primeiro churrasco. Levamos ao médico, choramos com eles nas doenças e com eles sorrimos a cada conquista. Levamos à praia, ao parque, ao cinema, ao teatro. Apresentamos a eles o universo contido nos livros, para que aprendam a voar com firmeza e direção.
Paralelamente os mimamos com brinquedos de todas as formas e cores. Ainda nas fraldas, deixamos que ingressem no mundo da tecnologia por meio do celular ou tablete, que muitas vezes substitui a babá enquanto fazemos o serviço do lar ou aquele trabalho acumulado que trazemos do escritório.
Aí vem as tarefas escolares, o auxílio em casa, as festinhas comemorativas na escola. Mais tarde, festa do pijama na casa do amigo, acampamento com a escola, horas fora de casa para ensaios e espetáculos de balé ou treino de futebol.
É nesse estágio de suas vidas que começamos sentir suas ausências e perceber que não podemos retê-los tanto tempo conosco. Começamos a entender que eles são apenas empréstimos, pois a vida os chama para si.
Chegada a adolescência, novas descobertas para eles, horas sem dormir para os pais, esperando os filhos chegarem. Não há mãe que não acenda uma vela pedindo proteção para os filhos que estão fora. Oram para que voltem para casa ilesos e lúcidos, pois as incógnitas da vida se multiplicam à noite, em meio às baladas ou um simples passeio ao shopping.
Após o adolescer, muitos seguem para intercâmbios em outros países, ou para cidades distantes, visando cursar boas faculdades. E nós, pais, a duras penas, os vemos voar em busca da realização de seus sonhos. Outros ficam com os pais e logo descobrem o amor. Trazem para casa o primeiro namorado, depois se casam e vão embora construir seus ninhos.
É nesse estágio que as taxas de juros sobem. Pagamos com lágrimas de dor pela ausência, pelo vazio que deixam em nossos ninhos, pela saudade imensa dos filhos que julgávamos nossos, mas não: são apenas empréstimos que a vida nos fez, e que agora voam para longe de nós, deixando-nos apenas as contas.
Cruel agiota, a vida tolhe nossos sorrisos e esfria nossos ninhos. Quando os filhos voltam para nos ver, é tudo tão rápido, fugaz como a transformação de um casulo em borboleta.
Eles chegam e saem do ninho num bater de asas, levando com eles nossos netos, pedacinhos de nós, de nossos sonhos. O sorriso morre na face e as lágrimas encharcam nossa alma, trazendo o frio do inverno. Estação sem tempo definido, até que voltem a nós, em visitas esporádicas.
E assim, uma tristeza aqui, outra acolá, vamos pagando o empréstimo, enquanto esperamos a primavera… Quando os filhos voltarem, em meio a flores e risos, todo dia será Natal!