Sem registro
A tradição não registra o local onde foi construída a capela na qual foi rezada a primeira missa de Rio Claro pelo padre Delfim em 1826, antes da fundação da cidade.
Ao que se tem, o ato foi celebrado em área do atual distrito de Ajapi, na antiga fazenda de Costa Alves, região do Corumbataí. A capela era uma casa de pau a pique e coberta de palha. Dela não restaram vestígios.
A construção abrigava a imagem de São João Batista trazida por Costa Alves e servia de moradia para o padre Delfim, que com o fazendeiro viera para a posse da propriedade.
Transferência

No ano seguinte, em 1827, a imagem foi transferida para uma nova capela construída no arraial em que se formaria o centro de Rio Claro, no entorno da atual Praça da Liberdade. A construção da igreja na Ru 6 veio depois. O padre Delfim estabeleceu-se oficialmente no povoado em formação. A novidade elevava o bairro de Piracicaba à categoria de Capela Curada, ou Distrito. A imagem é mesma que se encontra na igreja matriz do padroeiro de Rio Claro.
Disputa
Cronistas e historiadores contam que a transferência da capela não foi tão simples. Houve disputa. O jornalista J. Romeu Ferraz sugere algo da disputa em seu livro “História do Rio Claro – 1922”.
Ajapi
Costa Alves e moradores de sua vizinhança eram contra a mudança. Alegavam que o local onde estava a capela já era conhecido como ponto de referência entre viajantes e para o governo traçar aberturas de caminhos, conforme os projetos em curso. A capela deveria ficar onde estava.
Assistência
Por sua vez, os povoadores das margens do Ribeirão Claro defendiam a mudança. Para eles, a capela seria importante para colocar o povoado no mapa e estimular seu desenvolvimento. O local mais adequado para uma capela na região, conforme defendiam, seria no atual distrito da Assistência, mais exatamente na junção dos rios Corumbataí e Ribeirão Claro. Isto porque ali se dava formação de fazendas e sítios de criadores de gado. Décadas depois, na área foi construída a Usina de Energia Elétrica.
A Assistência era ponto de povoamento por estar na vizinhança do segundo mais antigo caminho que ligava Piracicaba a Cuiabá. Próximo à região do Sitinho passava o lendário Picadão, caminho aberto na década de 1720 para bandeirantes seguirem em busca de ouro no Mato Grosso e artéria do comércio desenvolvido por viajantes. A estrada acabara oficialmente fechada. Para evitar contrabandos o governo limitou o trânsito pelo tradicional caminho aberto por Anhanguera.
Centro atual
No final, a capela de São João nem ficou em Ajapi nem foi para a Assistência. A politica decidiu por um terceiro local. Que nem existia. Foi aberto. Para formar o arraial que viria a ser o centro de uma futura cidade, no entorno da atual Praça da Liberdade. Nascia Rio Claro.
Paes de Barros
A palavra final na disputa ficou por conta de Antonio Paes de Barros. Ele abria fazenda onde depois seria o Horto Florestal. Reconhecido como um dos fundadores da cidade, Paes de Barros era político de peso. Havia sido constituinte ao lado de Vergueiro nas Cortes de Portugal por época da Independência. Figura benemérita, receberia o título imperial de Barão de Piracicaba.
Paes de Barros entendeu que o melhor local para a construção da nova capela seria próximo à sua fazenda, na região alta do Córrego da Servidão, às margens do qual já havia se formado o povoado do lendário Curral dos Pereiras. A ideia era comprar uma área de terra para formar um arraial e ali construir inicialmente uma capela e depois uma igreja.
A situação ficou resolvida quando Manoel Paes de Arruda e seu genro Manoel Afonso de Taborda decidiram doar o terreno. Assim aconteceu. A nova capela foi construída onde hoje é a escola Puríssimo Coração de Maria. Com a transferência do padre Delfim e com ele a imagem de São João Batista, o bairro ganhou o nome do padroeiro e foi elevado à categoria de Distrito, ou Capela Curada de São João Batista do Ribeirão Claro.
A capela
O jornalista Zulmiro Ferraz apurou as características da capela onde hoje e o Puríssimo. Segundo ele, “a capelinha era coberta, a princípio, de palmas de indaiá entrelaçadas em tipiti, as suas paredes de pau a pique, isto é, com esteios de cerne e barrotes e ripas de palmito jissara, eram barreadas apenas, sem reboque de cal. O tosco templo cristão não teria mais de 60 palmos de comprimento, 30 de largura e 20 de altura.”
O fato de o arraial ter um templo reconhecido pelo Estado e pela Igreja, com um padre nomeado e residente no local, dava origem à organização política. Foram criados e supridos os três primeiros cargos públicos a para administração do bairro de Piracicaba. Os cargos foram preenchidos pelos doadores da terra e um escrivão.
Poder de capela

Na época era comum que a instalação de um templo católico antecipasse a organização civil do governo. Por isso a definição do local de uma capela movia interesses políticos. Ao evoluir da condição de capela para paróquia é que um núcleo de moradores começava a conquistar graduação política até ser considerada cidade em condições de sediar instituições públicas, como câmara municipal, cadeia, juízes, escolas, e eleger representantes para as esferas superiores do governo.
Naquele momento, a Igreja era vinculada ao Estado e dele fazia parte. Os membros do clero eram funcionários públicos. Como representantes do governo, recebiam salários e prestavam serviços hoje reservados ao governo civil, como o registro de terras, de nascimento, casamento, óbito, gerenciar e cuidar de cemitérios, da educação, saúde e outros, além das tarefas propriamente religiosas. Este modelo vinha da primeira Constituição do País (1824).
Memorial
A história não registra em que local exato esteve a capela de Ajapi. Sua busca e identificação facultaria o registro de algum tipo de memorial no local. Existem, porém, diversas referências que podem levar a sua localização. De maneira geral, as referências indicam para a vizinhança da Fazenda São José e para a antiga estação ferroviária do local.
Citações em meio a documentos de assuntos variados podem ser pistas para uma busca. Até aqui, são pistas insuficientes para se identificar o ponto em que houve a construção. O cruzamento das informações disponíveis, a seguir, e futuras pesquisas poderão levar à identificação do local.
Pistas disponíveis
– A capela ficava a 12 quilômetros do centro de Rio Claro e nas proximidades da fazenda Angélica.
– Depois de a capela ser transferida para a atual Praça da Liberdade, a construção em Ajapi passou a casa e venda de Luiz Borges de Almeida, pai do futuro Barão de Dourado. Era uma venda à beira de estrada.
– A venda ficava no caminho para a antiga estação de Ajapi, entre o portão da fazenda São José e a entrada para Eritreia, no espigão (parte alta) existente entre o antigo leito da ferrovia e o rio Corumbataí.
– Dois rios se aproximam do espigão, em terrenos de Costa Alves, atual área de Ajapi. O rio Corumbataí corre à esquerda da rodovia municipal e do antigo leito da ferrovia. O Ribeirão Claro corre à direita (posição dos rios tomada na direção Rio Claro-Ajapi).
– A fazenda de Costa Alves começava abaixo da antiga estação de Cachoeirinha e ia além da cidade de Corumbataí.
– Escritura de terras de 1831 faz referência á casa onde esteve a capela nos seguintes termos: “do dito espigãozinho, procurará descendo, uma pau de guarantã lavrado; atravessando o Ribeirão Claro ganhar uma picada rumo direito até sair para o campo por um pau de vatinga fincado ao pé do caminho que vai à casa do dito Borges, que foi a capela de São João, ao pé de uma porteira.”
– A divisa da fazenda Angélica com os seus confrontantes ao Sul era por uma linha mais ou menos reta que do alto do espigão da Mata Negra vinha após atravessar o Ribeirão Claro subir até o espigão do Corumbataí e encontrar a antiga estrada municipal Rio Claro-Descalvado, hoje Rio Claro-Ajapi.
– Esta reta seguia até encontrar um caminhoque ia à casa de Luis Borges que havia sido a capela ao pé de uma porteira.
– Um dos registros estima que “a primeira capela só poderia ter sido instalada no espigão”. Em 1977 a região pertencia a diversos sitiantes, entre eles Bellan e Batelochi, no caminho que vai a Ajapi.
– Costa Alves, dono da fazenda, teve dois filhos. Um era Domingos José e o outro Manoel. Domingos José anos depois formou fazenda nas margens do Corumbataí, extremo norte, com o nome de Fazenda São José do Corumbataí. A antiga propriedade ficou conhecida como Fazenda Velha. A fazenda São José do Corumbataí ficou conhecida como Fazenda Nova e depois foi transformada no Núcleo Colonial Jorge Tibiriçá.
O DOCUMENTO 1827

Documento de 12 de junho de 1827 que encaminha processo para elevação do povoado adstrito a Piracicaba à Capela Curada, categoria em que uma comunidade passava a ser assistida por padre residente e a registrar documentos locais. A deliberação final deu-se a 20 de junho do mesmo ano, por documento ainda não localizado. O registro equivale à Certidão de Nascimento da Capela Curada de Rio Claro. Acervo da Diocese de Piracicaba.
Capella Curada de S. João Baptista do Ribeirão Claro
Auttos de Capella Curada a favor de Joaquim José de Andrade, Manoel Pais de Arruda, Antonio Pais de Barros e outros – Câmara Capitular
Anno do Nascimento de Nosso Senhor JESUS Christo de mil oito centos e vinte e sette aos doze dias domes de Junho do dito anno nesta Imperial Cidade de São Paulo em o Cartório da Camera Capitular della por parte dos Suplicantes Supra me foi apprensetada huma petição com Despacho do Excellentíssimo e Reverendíssimo Senhor Bispo Eleito e Vigário Capitular Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, em cuja observância da minha ocupação tomei … rei … e aqui ajuntei e tudo he o que adiante Se Segue; de que fiz este Termo. Eu o Padre Fernando Lopes de Camargo, Escrivão Ajunto da Camera Capitular o escrevi.
VIVA SÃO JOÃO!
Por J. R.Sant´Ana / Fotos: Divulgação