Algo que, há poucos anos, era sinônimo de vendas astronômicas por parte de grandes artistas do Brasil e do mundo, hoje transformou-se num artigo cada vez menos procurado.
Quando de seu advento em terras tupiniquins, em meados da década de 80, o CD (Compact disc) logo se tornou febre em “substituição” ao Long Play (LP), ou, simplesmente, disco de vinil (atualmente muito cultuado). Foram muitos os anos em que esta mídia reinou absoluto. Entretanto, em virtude da pirataria e, mais recentemente, por conta da extrema facilidade em se obter conteúdo musical pela internet, ir a uma loja especializada na venda de CDs tornou-se raridade.
Em Rio Claro e região, são poucas as opções àqueles que ainda mantêm esse velho hábito. Mas, em meio à ascensão plena das conhecidas “plataformas musicais digitais”, como o afamado Spotify, considerado hoje o maior streaming da indústria da música, como é possível se manter no mercado com uma loja física de CDs? Infelizmente, muitos não conseguiram e, após décadas, se viram obrigados a fechar as portas, haja vista a concorrência desleal.
Foi o que aconteceu com Edmilson Cattai, de 47 anos, que por 22 se dedicou à loja Laser Express. Cattai afirma ter vivenciado no Brasil o ápice quanto às vendas de CDs. Segundo ele, esse período foi registrado entre 1994 e 1995. Além de seu comércio se dedicar às vendas, havia um diferencial: aluguel. Aliás, Cattai assevera que, inicialmente, trabalhava apenas com locação.
“Era similar às locadoras de vídeo, pois permitia ao público montar suas próprias seleções ou obter o álbum completo por menos de 10% do valor de compra. A receptividade era excelente”, relembra. Edmilson acredita que, atualmente, é praticamente impossível manter uma loja, cuja especialidade seja a vendas de CDs, pois, de acordo com ele, restam apenas alguns colecionadores, “que não dão um giro suficiente de faturamento para manutenção da loja física com funcionários, aluguel, impostos, etc.”.
Indagado sobre como seria possível superar a concorrência da internet, foi categórico: “não é. A não ser partindo para um novo ‘mix’ de produtos, tais como eletrônicos, presentes, celulares e outros, descaracterizando, deste modo, o negócio. Não se poderia chamar mais de uma ‘loja de venda de música’ ou ‘loja de CDs’”, afiança.
Edmilson se recorda do período em que as coisas começaram a mudar. Segundo ele, foi entre os anos 2000 e 2005, quando a internet, por intermédio de sites que disponibilizavam arquivos de MP3 (MPEG-1/2 Audio Layer 3), além do comércio eletrônico, se fortaleceram. “A saída foi enxugar o quadro de pessoal, saindo aluguel e manter o atendimento especializado aos colecionadores, fazer promoções de vendas, encontrar raridades por encomenda e manter o sistema de locação que, por ser barato, pagava alguns custos fixos no seu total de faturamento. Mas foi um período de baixos lucros”, relata, apontando os meios com os quais conseguiu, à época, transpor as dificuldades.
Cattai relembra que a locação de CDs, até então, era inexistente. Seu acervo para esta finalidade continha títulos escolhidos a dedo e a importação de todos os países através de uma distribuidora americana.
“Trazíamos CDs e DVDs (Digital Video Disc) da Alemanha, Japão, Reino Unido, além da avalanche de títulos clássicos americanos. Outro diferencial era a especialização dos nossos vendedores, profundos conhecedores dos mais diversos gêneros musicais”, rememora.
Tendo em vista todo o período que sua loja se manteve em atividade, Cattai enfatiza que a clientela leal sempre teve, e ainda tem, relevância. “Principalmente os amantes da música, que têm por hábito colecionar a obra física, seja em CD, DVD, vinil, VHS (Video Home System), entre outros”, destaca.
Edmilson relata que, por conta de todas as dificuldades que lhe foram impostas, fazendo com que o capital investido fosse muito maior em estoque em relação ao faturamento, não foi possível dar prosseguimento, após muitos anos, ao seu negócio. “Na verdade, manter a loja aberta já não seria o mesmo negócio originalmente idealizado. Seria mais uma loja qualquer”, pondera.
No que tange o futuro das lojas que ainda resistem ao tempo e à internet, afiança que “devem ter um braço no comércio eletrônico e usar o conhecimento técnico como sendo um diferencial na formação do acervo, atraindo esses colecionadores dispersos na geografia mundial”.
Referência nacional em se tratando da banda inglesa Depeche Mode, Jean Campagner, de 48 Anos, se dedica há quase três décadas ao entretenimento musical.
Campagner mantém uma loja de CDs na vizinha Santa Gertrudes há 18 anos: a Laser Express, segundo ele, “uma loja mais pop, mas mantendo a ideia de vender material raro e importado”. “Antes disso, tive outra loja, a Center Disc, em Rio Claro. Foi a primeira a apoiar a cena ‘underground’ (expressão usada para designar um ambiente cultural que foge dos padrões comerciais, dos modismos e que está fora da mídia na época). Era voltada mais para o rock e heavy metal”, conta.
Acerca do período em que as vendas foram altas, Campagner concorda com Edmilson Cattai. “O ‘boom’ das vendas foi entre 1994 e 1995, quando o dólar e o real eram ‘um por um’. Trazia muito material raro e os preços eram interessantes. Hoje, continuo fazendo isso. Mas a realidade é outra”, enfatiza. Segundo ele, posteriormente, houve o auge dos CDs nacionais entre 2000 e 2003. “Se vendia muito”, garante.
Campagner se recorda de outras fases, como os anos 80, em que o vinil e o K7 (fita cassete ou compact cassette) vendiam muito mais. “Nunca me esquecerei: vi um pedido de vinil e K7 de samba-enredo do Rio de Janeiro na loja do meu amigo Big Dário (André Dário Júnior, falecido em 2015, radialista, produtor e também músico que, por anos, manteve uma loja musical em Rio Claro), coisa de 1.300 unidades – isso mesmo: 1.300 unidades divididas entre vinis e K7s. Música era uma coisa barata e acessível”, relembra.
Quanto às condições atuais para se manter de portas abertas, diz que a cada dia que passa é mais complicado. Conforme ele, as lojas físicas sofreram muito, e a pirataria, especialmente, contribuiu bastante para isso.
“É preciso explicar: no Brasil, tivemos o auge dos CDs piratas. Não confundir com os CDs bootlegs (gravações de áudio ou vídeo do trabalho de um artista ou banda musical, podendo ser realizadas diretamente de um concerto ou de uma transmissão via rádio/televisão) importados. Esses CDs pirateados nacionais também tiveram um grande volume de vendas, fazendo muitas lojas praticamente sumirem. Sem contar que, nos anos 90, as gravadoras ‘se engraçaram’ com redes de lojas, facilitando para eles e dificultando para os pequenos e médios lojistas que sempre foram fiéis a elas”, explica Campagner.
E como superar os obstáculos? Jean acredita que, aos poucos, as lojas físicas criarão suas páginas para ajudar na manutenção. “Não há uma ajuda do governo em nos auxiliar. A música teve aumento de encargos. E isso deixou os CDs ainda caros. O formato físico aqui está se complicando. A suposta volta do vinil no Brasil é estranha. O que se vende de vinil aqui, em sua grande maioria, são discos importados. Ou então os discos prensados de antigamente no Brasil. Lá fora nunca parou”, destaca.
Quando as coisas passaram a se complicar, Jean conta que foi preciso de adaptar. “Vendia por telefone antes mesmo da internet. Vendia muito por cartas, também. Nossa, isso é muito antigo! Trocava informações com fãs e fui criando um grupo de clientes que sempre procura por material diferente. Lógico, não se vende o mesmo montante de antigamente. Então, o lojista também vai tentando reduzir custos. E tentando vender algo diferente”, afirma.
A despeito do momento adverso, Jean espera que ainda haverá uma melhora. E não aprecia a ideia de ser pessimista. De acordo com ele, o mercado não está estável. No entanto, crê que nada estará estável até as eleições. “É sempre assim em ano eleitoral. Sem contar que algumas gravadoras, para ajudar na divulgação, estão disponibilizando streamings dos álbuns de graça, o que só complica para o lojista físico”, lastima.
Dentre os diferenciais que fazem com que sua loja esteja funcionando até hoje, destaca o bom atendimento aos clientes, além de sempre ter algum material diferente para poder surpreender. Ao longo dos anos, garante que foi preciso reduzir custos, fazer adaptações e pensar melhor nos pedidos, além de investir em material diferente. Outro ponto foi a diversificação quanto aos produtos comercializados. “Camisetas foram uma das primeiras coisas que trouxemos. Em 1990, praticamente ninguém as trazia para Rio Claro, assim como pôsteres importados, bandeiras, bottons. Isso tudo continuo trazendo até hoje.
No tocante ao que está por vir, Jean afirma que detém uma boa experiência comercializando on-line, e são praticamente 29 anos de loja física. “O cansaço vai chegando, e uma loja virtual é uma boa ideia ainda”, finaliza.
Por Murilo Pompermayer
É uma pena ver lojas de longa data e que proporcionaram tanto prazer e entretenimento fechando suas portas, vida longa à esses guerreiros que estão nesta luta a tanto tempo.
Parabéns pela matéria! Fico feliz em saber que ainda existam pessoas como Jean Campagner comercializando itens raros e tão disputados! Tenho certeza que sempre haverá uma clientela fiel disposta a garimpar muito até encontrar o que procura! Vida eterna às lojas físicas!