Todo pai de menina tem sua teoria, suas impressões e relatos sobre a doce e divina tarefa de ser pai de menina. De modo geral, menina ou menino, amor de pai é assim. Silencioso, observador, aquele amor que sabe que nunca compete em pé de igualdade com o amor da mãe, que carregou nove meses, que gerou. E mesmo o mais duro e ogro coração sente o suave e intenso despertar da poesia. Pode até nem ter muita diferença entre ser pai de menina ou menino, fato.
Mas falo por mim, que minha pequena Cecília me fez muito mais feminino e feminista também, no sentido de reconhecer o quanto é preciso dar novos significados aos nossos modos machistas de enxergar as coisas. Desde a gravidez de Janaina, a mãe e minha esposa, fiz questão de acompanhar tudo: todas as consultas ao “tio” Ibrahim Buttros, dedicado e nosso querido médico, até o grande dia, o parto. Depois os banhos, fraldas, mamadeiras papinhas e muito mais.
Sabe, há quem, por opção própria, não queira ter filhos e isso deve ser respeitado sempre. Outros pensam que para ter filho é para um momento em que tiverem dinheiro. Certo, válido e justo, mas importante é ter a capacidade de pensar que, mais que dinheiro, mais que boas escolas, filho precisa de Amor. Assim, maiúsculo. Justificado por Freud: “como fica forte uma pessoa que está segura de ser amada”. Pense você à sua volta, na rede de Amor que te alimenta e te alimentou para que chegasse até aqui. É essa a essência, e ponto. Sem mas, nem porém.
E todo mundo fala por aí que cada escolha da vida que fazemos implica também em perdas. Mas o que é a vida senão um constante aprender a perder? Em quem aprende a perder? “A arte de perder não é nenhum mistério”, bem dizia a poetisa Elisabeth Bishop.
E se escolhemos ter filhos ou mesmo se eles “acontecem” de repente em nossas vidas, ganhamos mais refino nessa arte de perder. Você que é pai, perceba que a cada dia vamos perdendo um pouco dos nossos filhos. Desde o primeiro passo, quando aprendem a andar, já vão meio inconscientes decidindo os próprios caminhos.
O vazio de deixá-los ainda bebês na escolinha e, assim, voltar para casa faltando um pedaço da gente. Depois mais velhos um pouco, a adolescência e a ruptura que sentimos de não sermos mais a referência exclusiva para eles. Ainda vou passar por isso com Cecília, mas já estou desde já tentando implorar a ela o meu amor de pai, de coração. Vou assim, atrás dela, tentando me reencontrar com minha infância, minha adolescência, e levá-la para minha velhice que virá. Mas parece um pouco inútil essa tarefa, já que o meu tempo com ela é agora.
O futuro não existe e o passado é só memória. E no final dessa “dangerosíssima” tarefa de ser pai, vou ser apenas uma memória para Cecília. Que sejam doces memórias, então.
É assim. Meio retraído, a gente quando vira pai passa a sofrer de infinito. E sente uma pena enorme de ter que morrer um dia.
Por Marcelo Lapola
(O colaborador é jornalista e pós-graduando em Física pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica ) – marcelo.lapola@gmail.com)