Ela apenas irá crescer
► Ela se encontrava, de novo, olhando-se para o espelho; sua imagem refletida, agora, finalmente completa, sem quaisquer riscos ou pedaços de vidro quebrados, a encarava de volta com um olhar em chamas. As chamas ardiam em lágrimas escaldantes que escorriam de suas bochechas inchadas.
► “Eu não aceito isso, não aceito!” Ela pensava, sua ira despejando-se ao chão como um leite derramado. Ela sabia que não seria ouvida. Ela sabia que seu ódio não o atingiria. Ela sabia que a injustiça que sofria apenas ia piorar conforme crescesse, mas ela não aceitava. Ela lutava, queria fazer alguma diferença, mesmo que se desgastasse no processo.
► Após anos e anos tentando consertar o espelho, e agora que finalmente o via inteiro em sua glória restaurada, ela sempre se encontrava observando o reflexo de suas emoções; o espelho revela tudo o que ela sente por dentro, o seu verdadeiro eu por baixo daquela casca limitada de onde esconde suas emoções. Ela sabia que não era perfeita, é o pecado do ser humano sempre falhar e aprender com seus erros. Um eterno ciclo. Mesmo assim, ela procurava.
► “O que fiz de errado? Eu tenho quase certeza de que eu não o frustrei de novo.”, pensava enquanto procurava falhas no espelho, fracassando a cada tentativa. O espelho não mente, ele estava intacto e reluzente, mostrando-a, em todo o seu resplendor, sua verdadeira forma, mas ainda assim ela procura. Procura o quê? A aprovação do próximo? O que suas decisões tomadas anteriormente acarretaram? Ela não compreendia.
► A cada ano que avança, a injustiça imposta nela aumenta. E não só nela; o espelho mostrava que vários outros, assim como ela, sofriam tal ira. Mas ela não queria desistir; queria fazer a diferença, mesmo que isso esgotasse suas forças naquele momento. Franzindo o cenho e fechando seus olhos, ela sentiu aquele vento cósmico assoprar na seda de seu vestido branco. Sentiu-o voar, algo materializava-se em sua mão, aquela que antes segurava seu coração frágil e brilhante ao relento, havia uma espada dourada. O cabo era coberto de farpas, machucava-lhe a palma ao segurar, mas, mesmo assim, ao aviso que as pontinhas davam à sua epiderme, ela o apertou.
► Aquele sentimento não lhe era estranho, mas sabia de onde a espada vinha. Reconhecia sua força; ao fitar a lâmina com seu olhar marejado, via a palavra “Esperança” cravada no gume. Ela sabia que usá-la a machucaria, mas também sabia que a espada era uma das mais fortes que portava consigo. Abriu um sorriso em deleite à manifestação da sua força e se olhou no espelho. A imagem de uma guerreira agora refletia-se para ela, a mão pingando sangue e a lâmina da espada embutida de sangue. Ela sabia que faria uma diferença, mesmo que pequena, e isso, já acalentava seu coração inquieto.
► *Devaneios é escrita por Isabelle Fernanda Bonini Medrade, escritora e aluna da Escola Estadual Zita de Godoy Camargo, de Rio Claro, SP.
Foto: Divulgação