Em comemoração ao Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, celebrado nesta sexta-feira (3), Paulo Meyer e Vilson Andrade, da coluna Inclusão em Debate publicada no Diário, entrevistaram a senadora Mara Gabrilli. Referência para inclusão em nosso país, Mara é publicitária, psicóloga e senadora pelo PSDB/SP, também foi secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura da capital paulista, vereadora na Câmara Municipal de SP e Deputada Federal por dois mandatos consecutivos. Em 2018, com 6.513.282 votos, foi eleita para representar São Paulo no Senado Federal (mandato 2019-2026). Confira a entrevista exclusiva:
Inclusão em Debate: Lideranças e movimentos de luta por direitos das pessoas com deficiência nos últimos anos fizeram grandes enfrentamentos contra tentativas, muitas vezes de até mesmo retirada de direitos da pessoa com deficiência, já estabelecidos. Por que estas tentativas persistem, a senadora acredita que ainda corremos riscos?
Mara Gabrilli: Eu quero começar agradecendo o convite dos meus amigos Vilson e Paulo Meyer, parabenizar pelo trabalho que fazem em prol da inclusão e dizer que é um prazer falar um pouquinho com o pessoal de Rio Claro e região. Mas respondendo à pergunta, no início de 2021 eu completei dez anos trabalhando no Congresso Nacional, sendo oito como deputada e dois como senadora. Ao longo desse tempo tivemos grandes conquistas, como a Lei Brasileira de Inclusão, que tive a honra de relatar e ser autora do texto substitutivo quando ainda estava na Câmara. Mas, mais do que criar novas propostas, na maior parte do tempo estamos preocupados em evitar retrocessos. Praticamente toda semana existe algum projeto novo que retira direito das pessoas com deficiência, seja no Legislativo ou Executivo. No ano passado tivemos a grave ameaça de retrocesso apresentada pelo Governo Federal, com o decreto que estabelecia uma Nova Política de Educação Especial.
Agora vemos a suspensão do Conade, há mais de sete meses, por omissão do “Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”. Como se não bastasse, o Ministério coloca sigilo e tira a transparência na regulamentação do instrumento de avaliação biopsicossocial, previsto na LBI. O Ministério está indo na contramão do lema internacional da pessoa com deficiência. Não há muito o que comemorar nesse 3 de dezembro, as pessoas com deficiência ainda estão sendo tratadas como pessoas secundárias.
Infelizmente, estamos vivenciando um desmonte nos direitos das pessoas com deficiência em todas as esferas, seja por desconhecimento ou por perversidade dos nossos gestores. São decisões tomadas com base em capacitismo. Não podemos mais tolerar que isso continue acontecendo.
Inclusão em Debate: A senadora, já atuou também como Deputada. Em relação a inclusão de pessoas com deficiência, projetos de lei, fomento, visão de inclusão, já deu para perceber se existe diferença entre as duas casas?
Mara Gabrilli: Eu não faria diferença entre as casas, mas entre as composições atuais das duas Casas. Meus mandatos como deputada foram compartilhados com parlamentares mais progressistas. Atualmente tanto Câmara quanto Senado estão mais conservadoras e muito mais fechadas à afirmação de direitos e minorias. Então acho que a maior diferença se dá por conta das atuais bancadas. Temos um Congresso Nacional, de um modo geral, mais conservador e menos sensível à causa de minorias. E em relação à causa das pessoas com deficiência, temos tido um olhar muito mais assistencialista do que de afirmação de direitos de cidadania.
Inclusão em Debate: Como primeira Secretária da Pessoa com Deficiência da Capital, a Senadora acredita ser o importante os Municípios estruturarem instâncias de atuação na área para impulsionar políticas públicas para pessoa com deficiência?
Mara Gabrilli: Sem dúvida. Antes de eu ser nomeada como secretária, eu elaborei o projeto para a criação de uma secretaria municipal voltada para esse público e entreguei ao José Serra, então prefeito de São Paulo. Ele não só decidiu criar a Secretaria, a primeira do Brasil, como me convidou para comandá-la. Era uma pasta que não estava prevista no orçamento do ano anterior, então não tinha verba para nada. Eu tinha um papel transversal, que passava por todas as outras secretarias. Ia ensinando como incluir as pessoas com deficiência e a acessibilidade nos projetos das outras pastas. E o resultado foi que depois de alguns anos, tivemos um avanço muito grande na cidade, em termos de acessibilidade. Hoje temos milhares de órgãos voltados para esse tema espalhados por todo o país, contribuindo para o avanço da acessibilidade e inclusão nos municípios brasileiros.
Inclusão em Debate: Quais os principais trabalhos realizados pela senadora, neste mandato em relação à inclusão?
Mara Gabrilli: As pessoas com deficiência têm vivido um período bastante atípico não só no Brasil, mas em todo o mundo. A pandemia da covid-19 nos mostrou que ainda precisamos fazer muita coisa em termos de políticas pública nesse setor. Desde março do ano passado, quando foi decretado o estado de calamidade no Brasil por causa do coronavírus, adotamos uma série de ações para tentar minimizar o impacto da pandemia na vida das pessoas com deficiência. Uma das primeiras ações que apresentei no Senado foi um pacote de medidas para aumentar a proteção dessas pessoas durante a pandemia. Estudos divulgados ainda no ano passado mostram que pessoas com deficiência têm três vezes mais chances de se contaminar com o coronavírus. Aliás, foi através uma indicação que fiz ao Governo Federal que as pessoas com deficiência foram incluídas como prioritárias na campanha de vacinação contra covid-19 no PNI, o Programa Nacional de Imunizações.
Saindo um pouco da pandemia, ainda em 2019 reativamos, dentro da Comissão de Assuntos Sociais do Senado, a subcomissão de Doenças Raras, que era provisória e agora se tornou permanente. Em parceria com as subcomissões de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e dos Direitos da Pessoa Idosa, estamos trabalhando para criar uma Política Nacional de Cuidado, que possa de alguma forma garantir que toda pessoa que necessite tenha direito a ter um cuidador. Talvez seja esse um dos nossos principais focos de trabalho nos próximos anos.
Inclusão em Debate: Na opinião da senadora quais são os avanços e desafios para inclusão em nosso País?
Mara Gabrilli: Não tem como falar de avanços e não falar da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Falamos de uma legislação que regulamentou a Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e que foi construída com a sociedade civil, que contribuiu ativamente em todo o processo. Foi o primeiro projeto de lei traduzido integralmente para a Língua Brasileira de Sinais em que os surdos puderam, pela primeira vez no Brasil, entender e participar efetivamente na construção de uma Lei, assim como os cegos que também tiveram garantidos os recursos de acessibilidade para ler, opinar e sugerir modificações ao texto. Essa participação ativa das pessoas com deficiência é o que garantiu um texto amplo, justo e com o que há de mais progressista e revolucionário quando falamos de Inclusão. E isso é muito simbólico e digno de orgulho.
Agora, como desafio, temos o cumprimento dessa legislação tão robusta. É preciso compreender que as questões das pessoas com deficiência perpassam por variadas políticas: educação, trabalho, transporte, cultura, lazer, esporte, habitação. É preciso que o Poder Público e a sociedade de modo geral compreendam e incorporem a ideia de que uma ação que não contempla uma pessoa com deficiência, ela está incompleta. Por isso, nosso desafio está em publicizar e fazer com que as pessoas entendam a dimensão da LBI para colocá-la em prática em todas as áreas.
As pessoas com deficiência precisam ser incluídas em todas as políticas. E isso vai muito além de oferecer, por exemplo, serviços de reabilitação. É preciso trabalhar a inclusão com olhar multifatorial, de forma horizontal, convergente e sólida. E isso não pode ser política de um determinado governo. Tem que ser política de Estado.
Por Redação DRC / Foto: Divulgação