Se você tem 40 anos ou mais, certamente, deve se lembrar do barulho da agulha da vitrola descendo sobre o disco de vinil, aquele pequeno ruído antes de todo o ambiente ser preenchido pela música. Criado na década de 40 para substituir os discos de 78 rotações, ele rapidamente ganhou o mercado e se tornou um dos marcos da indústria do entretenimento.
Nos lares, ganhou não apenas os ouvidos, mas o coração das pessoas, a ponto de se tornar uma cultura, que ainda impulsiona a economia dos sebos e da indústria fonográfica. Em 2000, ele voltou a ganhar fama e as prensas foram retomadas. Com o movimento, vitrolas mais modernas passaram a ser fabricadas e comercializadas, dando nova roupagem a um mercado que nunca deixou de existir. “Existe todo um ritual, pegar o disco, retirar da capa, colocar na vitrola, sentar-se para ouvir e ler as informações do encarte. Acho que a mais longeva e charmosa forma de ouvir música ainda tem fôlego para muitas décadas e charme para conquistar cada vez mais fãs”, comenta Jhonny da loja Outras Histórias, que há 27 anos comercializa LPs.
Gerações inteiras foram impactadas pela música dos discos de vinil, que tem sua própria data comemorativa, 20 de abril, em homenagem ao compositor mineiro Ataulfo Alves, um dos maiores nomes da música brasileira, falecido em 20 de abril de 1969, no Rio de Janeiro.
Para comemorar o Dia do Disco, pedimos a alguns dos músicos da Orquestra Filarmônica de Rio Claro que recordassem os LPs que marcaram as suas vidas. O resultado é uma sequência de relatos emocionados de profissionais que tiveram a infância e adolescência impactadas pelos discos de vinil e, anos mais tarde, puderam interpretar as composições que serviram de inspiração.
É o caso do violinista Fábio Chamma, cuja paixão pelo vinil começou ainda na infância. “Eu me lembro que eu estava no meu quarto e de repente escutei um belo ‘tutti’ orquestral com trompetes, e pensei: Mas, que música é? O que é isso?”.
Ao se aproximar da sala, de onde vinha o som, se deparou com o padrasto ouvindo um concerto de Tchaikovsky com o violinista Ruggiero Ricci, uma gravação de 1950. “Eu nunca tinha ouvido nada igual, peguei aquela capa vermelha, olhei e pensei: hum! Depois, sozinho, ia lá no aparelho de som, colocava o disco, ficava ouvindo e fazendo mímica usando as almofadas da sala para fingir que estava tocando”, lembra ele.
Chamma tinha apenas 12 anos e era aluno de violino do método coletivo do SESC. “Eu não tinha nem meu instrumento nessa época.” Anos mais tarde, já como profissional, passou a tocar as músicas que lhe causaram tanto encantamento. Atualmente, Fábio Chamma é violista e fundador da Orquestra Filarmônica de Rio Claro e integrante da Orquestra do Teatro Municipal de São Paulo. “São memórias marcantes, e eu tenho esse LP até hoje, esse disco virou uma coisa meio sagrada para mim”.
Quase sempre, a paixão por um disco está associada a uma memória afetiva. Para o flautista Sérgio Cerri, essa ligação aconteceu aos 15 anos de idade, pelas mãos do então professor de flauta transversal Bruno Braunger, de Rio Claro. “Ele me mostrou um disco de um grande flautista suíço chamado Auréle Nicolet, no qual ele toca os concertos de Mozart para Flauta e Orquestra. Eu achei a obra belíssima, era difícil, e eu ficava pensando se um dia conseguiria tocar aqueles concertos”, lembra ele.
Ao longo da sua trajetória como músico, não só foi capaz de tocar o concerto, como a obra cruzou seu caminho muitas outras vezes. “Eu tive o momento de admirar, depois o prazer de tocar e hoje eu tenho o prazer de ensinar para os meus alunos”, relata.
Mas, houve um outro fato interessante. “Na ocasião do meu teste na Filarmônica de Ribeirão Preto, eu tive que tocar como obra obrigatória, o Concerto em Sol Maior K 313, do Mozart, então de uma certa forma, eu tive que enfrentar esse concerto que eu admirava lá atrás, para poder tocar na Orquestra.”
Mas, as coincidências não pararam por aí. “O curioso é que na banca estava o grande flautista brasileiro, Norton Morozowicz. Ele foi aluno do Auréle Nicolet, na Alemanha, então, eu carrego na memória, com muito carinho esse ciclo de lá atrás admirar a gravação de um vinil e no futuro, que eu nunca imaginei, ser julgado por alguém que aprendeu com o próprio Auréle.”
Alguns discos são tão raros, que se tornaram peças de colecionadores e encontrá-los é como achar um grande tesouro. Foi o que aconteceu com o músico Silas Simões. “Eu estava no galpão do Conservatório Carlos Gomes, que é da minha sogra, arrumando algumas partituras, quando me deparei com mais de 400 discos de vinil e tinham muitas raridades. Foi como encontrar um baú de joias”, lembra ele.
Um dos discos, em especial, é de um grande violinista chamado Sándor Végh. “Na hora eu nem acreditei no que estava vendo, porque ele não gravou muita coisa, então, é raríssimo.” Silas ouviu Sándor pela primeira vez por influência da ex-professora Eliza Fukuda, do famoso Conservatório Fukuda, de São Paulo. “Ela havia estudado com Sándor na Suíça. Quando vi o disco liguei pra ela, imediatamente. Ela ficou louca, queria o disco de qualquer forma”, lembra. O tesouro, obviamente, não mudou de mãos, mas, ele prometeu à antiga tutora uma cópia. “Também vou levar o disco para ela conhecer.”
Mas, nem só de lembranças da infância e caça ao tesouro se faz a paixão pelos discos de vinil. Ela pode acontecer por afinidade, como no caso do Maestro da Orquestra Filarmônica de Rio Claro, Odival Luciano Barbosa Filho.
Apaixonado por jazz, a escolha por seu vinil preferido está ligada à forma. “Eu sempre gostei de músicas inteligentes, de compositores que soubessem mesclar ritmos com harmonia”.
Nesse quesito, ele aponta o LP The Chick Corea Elektric Band, da banda homônima, como um dos seus discos preferidos. “As dinâmicas e a precisão foram coisas que me chamaram muita atenção. Lógico, sob o comando do grande compositor e pianista Chick Corea.” Mas, não foi só isso. “Eu assisti esse show ao vivo em 1986, ano em que foi lançado, então ficou muito marcado pra mim”, conta ele.
A passagem do tempo, também é capaz de produzir várias paixões diferentes pelos discos de vinil. Para o percussionista e presidente da Orquestra Filarmônica de Rio Claro, William Nagib Filho, cada fase da sua vida foi marcada por um LP diferente, e todos integram a sua atual coleção. Desde a irreverência de Rita Lee com a banda “Tutti Frutti” no disco Fruto Proibido, de 1975, passando por Led Zepellin, The Police; “um disco melhor que outro”, como ele mesmo diz, e o emblemático War, da banda U2.
“Fruto Proibido foi meu primeiro disco, ainda criança. O melhor do rock naquela época, com os músicos que serviriam de base depois para a famosa banda ‘Rádio Táxi’. Não me cansava de ouvir”, conta. “Depois tive a influência de um vizinho roqueiro em São Paulo que ouvia muito Led Zeppelin. No caso do U2, ‘Sunday Blood Sunday’ foi a minha primeira partitura quando ainda estudava bateria com o professor Malvino”, recorda ele.
Músicos, admiradores, colecionadores ou fanáticos, a verdade é que o LP marcou várias gerações. O som produzido pela agulha deslizando pelos sulcos daquela bolacha é uma magia que, mesmo explicando sob o ponto de vista físico, é difícil de entender. Para muitos, uma explicação desnecessária diante da grandeza do resultado. E você, que tal comemorar o Dia do Disco de Vinil ouvindo o seu LP predileto?
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