A instituição do dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra – e Dia Nacional de Zumbi, pela Lei nº 12.519/2011 – tem muita história para ser contada. Afinal, são 50 anos desde que um grupo de jovens negros, reunidos no centro de Porto Alegre, em 1971, começaram a pesquisar e repensar a luta de seus antepassados.
Entre as reuniões que fomentavam a pesquisa, a dúvida mais importante era de que até onde era legítimo celebrar a Consciência e História do povo negro no Brasil no dia 13 de maio, data que assinalou a Lei Áurea – que aboliu a escravatura brasileira, em 1888. Para o grupo que ali se formava, a inspiração deveria vir do dia 20 de novembro, data-morte do líder e protagonista na luta pela libertação dos escravos, Zumbi dos Palmares.
O fato deu origem ao coletivo Grupo Palmares, que ficou conhecido por atos que evocavam à resistência negra na noite do dia 20 de novembro, com o pano de fundo de valorização do “herói Zumbi dos Palmares”, em evento realizado no clube porto-alegrense Marcílio Dias.
Mas, hoje, será que todos entendem o que é isso? Para se entender melhor a questão, o conhecido sociólogo e membro do coletivo Sistema Negro, Túlio Custódio, explica que, entre outras razões, a Lei Áurea “é uma determinação que não coloca os negros no lugar de protagonismo na sua luta e resistência contra a sua aceitação de escravidão”.
Ainda, para ilustrar melhor, o advogado Antônio Carlos Côrtes – membro fundador do antigo Grupo Palmares -, hoje com 72 anos, destaca que a abolição assinada pela Princesa Isabel (1846-1921) foi “incompleta”, pois não garantiu assistência ou apoio por parte do Estado para acesso a terras, educação e trabalho.
Em todo caso, após cinco décadas de luta, seja para melhor esclarecimento da consciência sobre o tema ou luta contra o racismo ainda estrutural na sociedade, em 2017 o Senado aprovou a Lei 482, de autoria de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que instituía o dia 20 de novembro como feriado nacional – dado que antes, era apenas alocado no calendário escolar brasileiro e em tantos outros municípios era uma homenagem sem efeito – e ainda, um dia para estimular a contribuição para a luta pela igualdade racial.
HÁ O QUE COMEMORAR?
Os casos de racismo contra negros ainda existem. Tanto no mundo quanto, principalmente, no Brasil. Ano passado, um homicídio envolvendo um policial branco e um homem negro no estado de Minneapolis, nos EUA, tomou conta da mídia pela forma brutal como a vítima morreu – estrangulamento, por um joelho no pescoço, em meio ao que deveria ser uma abordagem policial.
No Brasil, um caso recente envolveu uma loja da rede Zara, no Ceará. De acordo com as autoridades, os funcionários da loja teriam um ‘código’ para avisar quando uma pessoa negra entrasse no estabelecimento. Casos assim, que não são poucos, ressaltam o “caminho longo” que ainda se tem pela frente, segundo a agente comunitária de saúde e assessora municipal de Direitos Raciais de Rio Claro, Maria Lourdes da Silva.
“Na minha opinião, há o que comemorar. Mas ainda temos um caminho longo pra trilhar. Principalmente, agora com tanta violência espalhada no país. E as principais vítimas somos nós, nossos jovens negros e nossas mulheres negras. Até quando vamos ficar de braços cruzados?”, diz a assessora.
Maria Lourdes desempenha as funções de planejamento, coordenação de execução e avaliação do Programa Nacional para ações afirmativas. Além de acompanhar as leis de ação afirmativa, a assessora também ajuda na definição dessas ações para políticas públicas que visam, justamente, combater a discriminação racial e étnica no município.
“Para mim, os principais desafios hoje são, entre outras coisas, a implementação da Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas. Capacitação dos policiais e guardas municipais no que diz respeito à abordagem humanizada. E ainda, a questão da Saúde, com o programa de saúde para atendimento às populações negras que poucos conhecem.”
Desafios gigantes que não se resolvem da noite para o dia. Debates e entraves que, às vezes, não encontram a representatividade que tanto falta à população majoritária no Brasil, segundo o último censo do IBGE e as centenas de PNADs contínuas. Para não deixar de citar: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas é o silêncio dos bons”, do pastor e ativista político negro, Martin Luther King Jr.
CELEBRAÇÃO
O Dia da Consciência Negra, celebrado hoje (20), tem solenidade em Rio Claro. O ato cívico será realizado às 9 horas no Plenário da Câmara Municipal, com palavra de autoridades e entrega das medalhas Zumbi dos Palmares entregues em reconhecimento às pessoas que lutam pela igualdade de direitos e se destacam na valorização dos afrodescendentes. A solenidade terá apresentação musical da cantora Francieli Campos, com a música Zumbi, de Jorge Ben.
Os representantes da comunidade negra que vão receber a medalha neste ano: Pastora Ana Lúcia de Jesus Nascimento, homenageada pelo vereador Julinho Lopes; Aparecido Norberto Beato da Costa, homenageado pelo vereador Sivaldo Faísca; Edilson Lopes da Silva, homenageado pelo vereador Alessandro Almeida; Jovair Augusto, homenageado pelo vereador Adriano La Torre; Marcela Fernanda Tomé Oliveira, homenageada pelo vereador Vagner Baungartner; Maria Lourdes da Silva, homenageada pelo presidente da Câmara Municipal, José Pereira dos Santos; Maria Lúcia Paulo, homenageada pelo vereador Geraldo Voluntário; Raquel Elizalda dos Santos, homenageada pelo vereador Hernani Leonhardt; Ricardo Barbosa de Castro, homenageado pelo vereador Serginho Carnevale; Rosângela Maria Aparecida da Silva, homenageada pelo vereador Luciano Bonsucesso e Rosiley Camilo de Souza, homenageada pelo vereador Diego Gonzalez.
Por Samuel Chagas / Foto: Divulgação