Vivesse eu na Idade Média e escrevesse um texto desses, correria sérios riscos de ser condenado à fogueira da Inquisição.
Há séculos, observações astronômicas cada vez mais acuradas mostram que não há nada que possa indicar que estejamos em uma posição privilegiada no Universo. Na escala de bilhões de anos-luz do Universo (1 ano-luz corresponde a cerca de 9,5 trilhões de quilômetros), a Terra é menos, muito menos que um grão de poeira suspenso no espaço-tempo, orbitando uma estrela média, na periferia de um dos braços da Via Láctea. E a galáxia em que estamos contém cerca de 100 bilhões de estrelas. E galáxias como a Via Láctea existem aos bilhões.
Para melhor nos localizarmos, melhor é a descrição de Kip Thorne, prêmio Nobel de Física de 2017: “nós vivemos na Terra, a terceira rocha próxima a uma estrela indistinta localizada na periferia de uma galáxia bem comum, a segunda maior em um conjunto de galáxias que formam o grupo local na periferia de um superaglomerado local”. Nossas galáxias vizinhas também não são tão ou mais significativas. Há estruturas de aglomerados ainda maiores, se que haja alguma direção privilegiada.
Em resumo, não parecemos ser especiais e nenhum lugar para onde se apontam os telescópios parece ser melhor, mais especial que outro. Por isso, é razoável assumir que o Universo não tem um centro e que, ao invés disso, é essencialmente homogêneo em grandes escalas. Além disso, o Universo está em expansão acelerada, o que já foi previsto em 1915 por Einstein em sua Teoria da Relatividade Geral, e comprovada décadas depois.
Três grandes abalos sofridos em nosso narcisismo ocorreram quando Copérnico, em 1543, descobriu que a Terra era mais um planeta a orbitar o Sol, mais tarde quando Freud descobriu que o inconsciente governa nossas ações (“algo pensa em mim”, dizia Nietzsche anos antes) e, por fim, com Charles Darwin com a constatação de que todos descendemos de um ancestral comum, na Evolução das Espécies, em 1859. Ao descobrir que obedecemos às mesmas regras evolutivas dos chimpanzés, das orquídeas, até dos fungos e bactérias, tirou-nos do centro privilegiado da criação.
E se em todas as tradições cristãs, um dos fundamentos seja a humildade, nada melhor que a ciência para comprovar nossa insignificância diante do cosmos. Observações sempre mais e mais precisas e confirmadas indicam que em um passado de cerca de 12 bilhões de anos atrás, o Universo era muito denso e quente e que, a partir de uma singularidade (um ponto), se expandiu. “Ah, sim, então me diz o que tinha antes do Big Bang?”, é a inevitável pergunta que sempre surge.
E a resposta, mais plausível diante de nosso desespero em querer explicar tudo, é que não cabe à Física investigar antes, quando não havia tempo, nem espaço, pois sem esses entes não há leis, nem as constantes físicas, que evoluíram e governam o Universo desde os primeiros lapsos de tempo. E a ciência, descritiva em sua essência, explica “como” e não “por que” as coisas acontecem. E é por isso que Deus não está excluído. Fora disso, toda tentativa de explicar Deus pela ciência é infrutífera. E todo ateísmo militante de alguns cientistas é puro marketing para vender livros. Deus não se explica, se sente. Ele é o “porquê” insondável das coisas. É questão de fé.
Por Marcelo Lapola
Muito bom artigo meu amigo Lapola. Parabéns!