O cachorro bonito e de médio porte latia e pulava com insistência próximo ao portão, talvez, incomodado com a presença do carteiro, o que não era habitual naquela hora do dia.
Na outra calçada, Lúcio acompanhava à distância, atento e esperando pacientemente que o carteiro se livrasse da árdua tarefa de entregar em mãos a mensagem que parecia algo importante. Como ninguém viera atendê-lo o carteiro desistiu, recolocando a correspondência novamente na sacola que trazia em bandoleira, como faziam os soldados exaustos durante as longas caminhadas.
Por um instante, aquelas amargas lembranças do campo de batalha ocuparam a mente de Lúcio que tratou logo de livrar-se delas. Tinha um encontro com Madeleine naquela tarde e não queria se atrasar. Estava certo que se encontrariam em frente à floricultura, um pretexto e ocasião engendrado por ele para poder presenteá-la sem muito esforço e sem perder tempo. A estação de trens não ficava muito longe da floricultura, um ou dois quarteirões, salvo engano, ele pensara, e já havia comprado a passagem com antecedência, lembrando-se do que lhe recomendara o editor ao despedir-se dele.
Sua missão, como correspondente de guerra, estava cumprida, e não sabia exatamente que rumo daria à vida dali por diante. Mas isso era coisa de menor importância, depois que tivera de lutar por sua própria sobrevivência em meio a traições, chantagens e saraivadas de tiros de metralhadoras.
Mas havia um tempo para uma generosa dose de uísque. Pensara que a ideia servia como pretexto para pegar logo no sono e não se dar conta do sacolejar e do barulho constante da composição, cuja partida da gare de São Teodoro estava marcada para às 16h30.
“Parece que o trem das 16h30 irá demorar a chegar”, disse-lhe o garçom com perspicácia, na esperança de que aquele jornalista com olhar cansado e ares de padecimento, pudesse ser o melhor freguês do dia.
“Sem problema, respondeu Lúcio, a cadeira me parece bem confortável”.
“Vai apreciar ainda mais o local, quando vir chegar as damas de companhia da noite”.
“Lamento, mas, hoje, impossível, não há dinheiro nem bom ânimo para tanto divertimento”.
O garçom afastou-se com um sorriso descrente, indo servir outra mesa.
Lúcio bebeu o uísque sem muito entusiasmo, pagou a conta no balcão, e se pôs a caminhar. Lá fora, um vento gelado e forte, o fez encolher-se todo, usando a pasta que trazia consigo para melhor proteger o peito. Uma pneumonia era tudo o que não precisava. Seu futuro incerto, lhe tirara horas de sono nas últimas semanas. Mas a preocupação quanto aos dias que viriam só não era maior que o medo de não encontrar Madeleine diante da floricultura.
Em lá chegando, perguntou à atendente que arranjava as flores na bancada do lado de fora da loja, por uma senhorita com as feições de Madeleine. A resposta, pouca educada, fora que não vira, não senhor.
Então, ele olhou para os lados, sem saber ao certo o que faria e sem encontrar Madeleine por perto. Talvez, estivesse atrasada. Um imprevisto inesperado, talvez. A roupa que encolhera no varal, o penteado que não lhe caíra bem, a bolsa que esquecera sobre a mesa e voltara para buscar. Mas nenhuma dessas possibilidades convencera Lúcio. E resolveu não esperar.
Seguiu pela calçada, entristecido, levando apenas suas coisas de uso pessoal. Percebeu que um cãozinho o seguia à distância, mas, não deu muita importância para o fato. O pobre bichinho, porém, se mostrou resiliente e não se deu por vencido. Olhava para trás, algo preocupado e ansioso, toda vez que Lúcio fazia o mesmo. Então, resolveu latir. E abanou o rabinho cheio de felicidade, quando avistou a sua tutora.
Óh, querido! – disse Madeleine – Eu estava à sua procura.
Apanhou o bichinho no colo, deu meia-volta e se pôs a caminhar.
Lúcio abaixou a cabeça e seguiu rumo à estação de trens. Já sabia o que fazer da vida.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Depositpjhoytos/ Reprodução Internet