O casarão dos Azulejos Azuis localizava-se na Avenida Dois, esquina da Rua Dois, antiga residência do Sr. Leonel de Oliveira Guimarães, abastado fazendeiro, capitalista, muito influente à época na Comarca de Rio Claro.
Construído no final do século XIX (planta e projeto do renomado Engenheiro Arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo), foi o único edifício da cidade de Rio Claro com fachadas revestidas de azulejos que, de fina louça decorada, nas cores azul e branco, importados de Portugal, tornavam a edificação ainda mais imponente.
A casa de morada inteira, de notável mérito arquitetônico, cartão-postal da cidade, possuía porão; envasaduras com vergas retas; cimalha; janelas de vidraça de guilhotina e escuro; na cobertura, cimalha, platibanda e compoteiras. Em terreno de 692,29m2, tinha de frente 18,50m para a Avenida Dois (antiga Rua Regente Feijó), apresentando entrada lateral, alpendre com estrutura de ferro, e porta de duas folhas almofadadas com bandeira de vidro. Numa extensão de 35m, prolongava-se a fachada para a Rua Dois (Rua São Benedito), também coberta por azulejos.
Certamente, o casarão dos Azulejos Azuis foi o imóvel de maior importância arquitetônica do Município, principalmente de alto valor cultural. É que nele morou Guilherme de Andrade e Almeida, o “Príncipe dos Poetas”.
Em 1895, fora alugado ao Dr. Estevam de Araujo Almeida, pai do poeta, afamado Advogado e Escritor (membro fundador da Academia Paulista de Letras, ocupou a cadeira número 22, vindo a ser substituído pelo filho Guilherme), radicado em Campinas, que se transferiu com a família para a nossa cidade.
O casarão era moradia daquele agricultor que, casado em segundas núpcias com D. Gertrudes da Silveira Franco, voltara a habitar sua fazenda em Itaqueri da Serra.
À época, contava Guilherme com cinco anos de idade. Até os catorze, estudou no Colégio particular de sua tia, Ana de Almeida Barbosa de Campos, que o preparou para sua admissão no Ginásio Culto à Ciência, na cidade de Campinas. Chamava-a carinhosamente de “Tia Aninha”.
Sua primeira composição poética, o soneto “Beijos”, aqui escrita quando menino, foi levada em 1904 ao Jornalista Major José David Teixeira que, tendo lido, exclamou: “este menino vae longe!”. Teve inédita publicação no “Diário do Rio Claro”: Não queres que eu te beije! E o beijo é a própria vida:/a invenção mais divina e humana do Senhor;/é o fogo em que se abrasa uma alma a outra alma unida;/é o prólogo e também o epílogo do amor!/A lua beija o mar, nas ondas refletida;/o sol, beijando o céu, reveste-o de esplendor;/num beijo o orvalho alenta a planta emurchecida,/e a borboleta suga o mel beijando a flor…/Deixa que o meu amor expanda os seus desejos,/beijando os lábios teus sem nunca se fartar!/Chega ao meu coração, escuta-lhe os latejos!/A boca perfumada, ó deixa-me beijar!/Porque somente amando é que se trocam beijos/e porque só beijando é que se aprende a amar!
Em 16 de maio de 1956, Rio Claro recebeu a visita de Guilherme de Almeida, quando proferiu concorrida “Conferência” na Escola Normal Puríssimo Coração de Maria, assinalando a passagem do cinquentenário da congregação religiosa. Convidado pelo seu íntimo amigo, Dr. José Eduardo Leite (conceituado cirurgião dentista rio-clarense, profundo conhecedor da obra e vida do poeta), confidenciou que nascera no casarão dos Azulejos Azuis quando sua mãe, grávida, temendo a febre amarela que se alastrava em Campinas, mudou-se para Rio Claro.
Em meados de 1982, notícias da venda e possível demolição do casarão dos Azulejos Azuis mobilizaram a opinião pública, que partiu em defesa da sua preservação e conservação. O movimento impulsionado pela SORIDEMA e pelo Grupo Banzo coletou mil assinaturas e justificativas de rio-clarenses favoráveis à recuperação do imóvel, tendo contado até mesmo com o apoio do proprietário do prédio, Sr. Olímpio Alberto Sciarra Guimarães, que não se opusera a tal iniciativa.
Por Decreto daquele mesmo ano, foi desapropriado o edifício para torná-lo sede da Fundação Municipal de Educação, Cultura e Bem-Estar Social de Rio Claro (FUNDERC). Praticamente obtidas, as verbas para restauração foram solicitadas junto ao Pró-Memória (DEC).
Com enorme repercussão regional, a pioneira proposta foi encampada por um grupo de personalidades paulistanas, dentre outros, Modesto Carvalhosa (jurista que lutou para que o Metrô “República” não destruísse a tradicional Escola “Caetano de Campos”, em São Paulo); Fábio Magalhães (Diretor da Pinacoteca do Estado); Rubens Fernandes Jr. (Diretor do Gabinete Geográfico da Pinacoteca; fotógrafo; prof. da FAAP e da PUC); Carlos Lemos e Benedito Toledo (profs. da USP); Ricardo Flores (IPT); e o prof. José Gregório (Presidente do Conselho de Justiça e Paz do Estado).
Lamentavelmente, apesar da valorosa “brigada”, a causa não logrou êxito. Revogado aquele Decreto Municipal pelo então prefeito José Aldo Demarchi (Decreto publicado em 22 de maio de 1982), foi demolido o espetacular edifício e retirados os azulejos azuis. O terreno, por longo tempo abandonado, mal cercado por tapume, nem mesmo serviu como estacionamento de veículos, suposta destinação. Posteriormente, construiu-se o arranha-céu lá existente.
Chegou-se a divulgar que fora entregue à Câmara Municipal (então Presidente, o Prof. Mário Alem, que se desdobrou sobremaneira para salvar o casarão) projeto de lei para Proteção ao Patrimônio Cultural e Ambiental Urbano do Município de Rio Claro. Tendo, inclusive, a participação do Prof. Aziz Ab-Saber, mundialmente reconhecido.
No ano de 1984, o conceituado Historiador rio-clarense Oscar de Arruda Penteado declarou: “Em 1982, sem explicação plausível, a Casa dos Azulejos foi demolida e o seu terreno transformado em abrigo de automóveis!”.
*O colaborador é perito judicial em Arqueologia e Documentação Histórica, inscrição: n.1417/SP
Por Anselmo Ap. Selingardi Jr.