Se você pudesse viajar ao seu passado e mudá-lo para que seu presente e futuro fossem diferentes, o que você mudaria?
Depois de resistir, desnecessariamente, finalmente embarquei nas duas primeiras temporadas de “Dark”, a série alemã da Netflix que está sendo celebrada como a melhor já produzida pelo serviço de streaming. E confesso também, agora estou aqui doido esperando a estreia da terceira e última temporada, a qual promete resolver todos os enigmas e fios soltos deixados pelas anteriores.
Além da excelente estética, roteiro e os atores há, é claro, a Física Moderna como pano de fundo, com a Usina Nuclear na cidadezinha fictícia de Winden e um intrigante Buraco de Minhoca embaixo da usina que leva, ida e volta, os personagens para o passado, presente e futuro.
Buracos de Minhoca são os objetos mais intrigantes da Física, previstos pela Relatividade Geral, descoberta em 1915 por Albert Einstein. Eles transformam a topologia do espaço e do tempo e permitem “atalhos” entre um ponto e outro. Uma excelente analogia é imaginar uma minhoca em uma maçã que quer chegar mais rápido do lado oposto de onde está. Em vez de percorrer todo o caminho pela superfície maçã, ela cava um buraco o mais reto possível.
E foi o próprio Einstein quem se ocupou da primeira ideia de um Buraco de Minhoca, justamente para resolver o que na época ele considerava uma “falha” em sua teoria. Nessa época, os cientistas não acreditavam muito que os buracos negros pudessem existir de fato, e Einstein também se incomodava com isso.
Foi assim, investigando como resolver a singularidade que há no fundo de um Buraco Negro, onde não há equação que dê conta de descrever, que ele e seu assistente Nathan Rosen publicaram um artigo onde essa singularidade se converteria em uma ponte que permitiria transitar do centro do buraco negro para um outro lugar no Universo.
Nascia aí a tal ponte de Einstein-Rosen: Numa extremidade, um buraco Negro, que a tudo engole (até a luz) e na outra um Buraco Branco (isso mesmo!), que a tudo expele. E os dois extremos unidos por uma espécie de túnel. Quem pesquisou mais sobre o assunto e os batizou em 1957 de Buracos de Minhoca foi o físico americano John Wheeler.
E foi o orientando de Wheeler, o físico Kip Thorne, quem por volta de 1985 propôs matematicamente o que seria um “Buraco de Minhoca Transitável”. E esse artigo seminal abriu caminho para um ramo de pesquisa que persiste e evolui muito nos dias atuais.
Mas se já era estranha a ideia de pegar um atalho no espaço para chegar a lugares que estão a anos-luz daqui, imagine poder também viajar através do tempo! Pois o modelo do Buraco de Minhoca Transitável permite isso, em tese. Mas há problemas.
No modelo matemático, se temos duas extremidades de um buraco de minhoca que entrelaçam dois espaços, é preciso que uma delas esteja à velocidade da luz. Assim, teríamos um buraco de minhoca que também seria uma máquina do tempo, como em Dark, que não só te leva de um lugar para o outro como também de uma época para a outra.
Mas, bem diferente do que acontece em Dark, seria possível viajar ao futuro, mas não ao passado. Seria possível ir ao futuro e voltar ao presente. E só. Mas os problemas para se ter um buraco de minhoca transitável e que também seja uma máquina do tempo não param por aí. Para que o túnel permaneça aberto de maneira estável, é preciso preenchê-lo com matéria exótica. Diferente da matéria escura, a matéria exótica não pode existir fisicamente pois possui massa negativa. Imagina algo pesando menos dez quilos, por exemplo? Isso viola as leis fundamentais da Natureza.
Vale lembrar que nunca se observou um Buraco de Minhoca no mundo real. Por enquanto, eles existem no papel, nos modelos matemáticos amparados pela Relatividade Geral. A mesma teoria que prova a existência dos buracos negros, agora observados e detectados, e que antes eram vistos como loucura da teoria.
Mas nada que tenha impedido a ficção científica de se divertir com essa ideia. Imagina ir ao passado e alterar eventos já ocorridos como em De Volta Para o Futuro? Nem mesmo isso seria possível. Há leis físicas que impedem a alteração de eventos passados. Mais ou menos como tentar colocar todo o álcool em gel que evaporou de suas mãos de volta no frasco.
Assim, a conclusão é a de que os Buracos de Minhoca provavelmente não existam. Mas isso não é uma conclusão definitiva. Há muitos pesquisadores sérios e premiados pesquisando o assunto, há anos. E nada disso tira o brilho a fascinação dos filmes, livros e tudo o mais que a arte consegue criar, não é mesmo?
Por isso que a ficção é tão fascinante, porque para ela não precisa ter limites como no mundo real. Pelos modelos que temos de Buracos de Minhoca, que inclusive é um dos meus temas de pesquisa junto com as teorias alternativas de gravitação, há muitas restrições. O que dirá então poder encontrar o mundo e você mesmo, tanto no passado quanto no futuro? Pelo menos na imaginação é possível! Ah, eu diria tanta coisa para mim…