Dezesseis de agosto normalmente é lembrado como a data da morte de Elvis Presley que, naturalmente, dispensa apresentações. Mas, o que pouca gente sabe ou não se lembra, é que 57 anos antes as portas do inferno se abriram e nasceu entre nós, aquele que iria chacoalhar a literatura norte-americana e mundial, com seu jeito autêntico, sincero, despojado e poético de escrever.
Nascido na Alemanha, mais exatamente em Andernach, à época, uma cidadezinha no estado da Renânia, filho de um soldado, que adorava espanca-lo e de uma dona de casa que vivia à sombra do marido, Charles Bukowski mudou-se ainda cedo com os pais para os Estados Unidos.
Fora na infância um garoto tímido e que não se destacara em nenhuma atividade escolar. Da relação problemática e conflituosa com o pai, autoritário e descrente das possibilidades do filho, Bukowski talvez guardara uma única boa lembrança, a máquina de escrever que ganhara do velho Heinrich, quando tinha 19 anos.
Frequentando a biblioteca de Los Angeles, tomara gosto pelos livros. Aliás, além destes, descobrira no álcool uma rota de fuga para os seus tormentos, com os quais convivia desde a infância. As garrafas de vinho e as latas de cerveja iriam acompanhá-lo por toda vida, trazendo-lhe inspiração e problemas.
Resolveu então escrever e o gosto pela escrita despertou a ira do pai que o expulsou de casa. Para sobreviver, Charles Bukowski viveu de empregos temporários e morou sozinho em espeluncas quase inabitáveis, algumas nas quais, dividia espaço com ratos, pulgas e percevejos.
Esse período triste de sua vida está presente em vários contos e poemas, que compõe sua vasta e rica produção literária. Mas em nenhum outro momento, suas façanhas e desastres morais, estão descritas com tanta riqueza de detalhes e verdade como no extenso conto “Confissão de um velho safado” que integra a coletânea do livro “Pedaços de um caderno manchado de vinho” editado no Brasil em 2008 pela L&PM Pocket.
Até conhecer a fama como escritor, Bukowski trabalhou como faxineiro, frentista, motorista de caminhão e carteiro. Pode-se dizer que fez de tudo um pouco na vida. Mas, talvez, a maior proeza foi casar-se com sua primeira editora, Barbara Frye, da revista Harlequin, uma das conceituadas publicações sobre literatura naqueles anos de 1940.
Depois dos primeiros êxitos literários, com alguns de seus contos sendo publicados em revistas de destaque na cena cultural americana, Bukowski deu um tempo e ficou quase uma década sem escrever. Foi em 1971 que surge o personagem Henry Chinaski, do romance Cartas na Rua. Curiosamente, o alter ego de Bukowski só não aparece no livro Pulp, o último escrito por ele, um pouco antes de morrer.
Alguns de seus poemas são viscerais como Born into this, no qual antecipa o mundo contraditório, superficial e estúpido em que vivemos hoje.
Tomando contato e estudando um pouco a obra literária de Charles Bukowski, percebe-se com facilidade que autores consagrados como Henry Miller (Trópico de Câncer), Ernest Hemingway (Por quem os sinos dobram) e John Fante (Pergunte ao Pó) tiveram alguma influência sobre o seu modo de escrever.
Bukowski era um outsider. Um homem fora do seu tempo, avesso às convenções. Conta-se que, normalmente, escrevia alcoolizado. Gostava de farras noturnas com mulheres e bebidas. Apostava em corridas de cavalo. E adorava música clássica. Bukowski bem poderia ser um personagem de si mesmo, não tivesse diluído a si mesmo, da maneira mais rude e honesta possível, nas páginas de seus inúmeros contos, poemas e romances. Ao todo escreveu e publicou 45 livros
As alminhas puras e de bom coração, tão em moda atualmente, para a desgraça das mentes livres e inspiradas, certamente ficam horrorizadas quando se deparam com a escrita de Charles Bukowski. Uma escrita autêntica tanto quanto fora seu autor durante toda a vida.
Henky, como era conhecido na intimidade, faleceu em 9 de março de 1994, aos 73 anos, em Los Angeles, Estados Unidos. Em sua obra literária, de grande valor, estão as frases curtas, o jeito simples, direto, verdadeiro e coloquial de contar uma boa história. Mais do que isso, está a verdade. A verdade possível de cada um, com todo amor e ódio, beleza e feiura, como seu autor.
Por Geraldo Costa Jr. / Foto: Reprodução