A adolescente de apenas 14 anos, que não tem o nome revelado, passa por tratamento psicológico por enfrentar uma situação que ninguém jamais deseja ou espera: foi estuprada.
Além da violência que sofreu, se sente culpada e tenta superar tantos outros traumas que ficaram marcados em sua vida e da família. O estuprador, de 28 anos, foi o próprio tio que a menina não via desde criança. Ele foi preso. Ela recebe atendimento no Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas) de Rio Claro.
Em pesquisa no site da Segurança Pública do Estado, nos surpreendemos com o número de crianças e adolescentes que foram violentados sexualmente em Rio Claro. O dado oficial divulgado é de 15 estupros de vulneráveis. Ficamos mais assustados ao saber que o número é bem maior no município. Só no Creas estão em atendimento 66 crianças e adolescentes de várias idades. Todas teriam sofrido algum tipo de abuso.
“Quando se fala em estupro, não está somente o ato sexual, mas sim outras formas de abuso, como passar a mão no corpo e em partes íntimas da vítima, utilizar de sedução, beijo, masturbação, filmes pornográficos, até mesmo presenciar ato sexual dos pais e muitos outros”, explica a Diretora do Sistema único de Assistência Social, Rita Godoy.
As vítimas chegam ao Creas por encaminhamento da Delegacia da Mulher ou Conselho Tutelar. “A família chega fragilizada, transtornada, justificando ou procurando culpado ou justiça. O que é importante para nós é a vítima para que não fiquem traumas”, observa a assistente social, Michele Moraes.
“O trabalho oferecido é para superação da violência. “Nosso papel não é de investigação, consiste em fortalecer a vítima e a família”, esclarece a gerente de proteção especial do Creas, Ione Helena Bernardo.
No ano passado, a Secretaria de Segurança Pública registrou 25 casos de estupro contra vulneráveis em Rio Claro. Porém, apesar de todos os dados, eles podem não refletir a realidade. O motivo é que nem todos os casos são denunciados ou nem sempre as vítimas procuram ajuda. Isso por vários motivos, entre eles, o mais preocupante: na maioria dos casos, o agressor está dentro de casa. “Dos casos que atendemos, na maior parte o acusado tem contato e é íntimo da família”, relata a assistente social.
As profissionais alertam que existem vários indicadores de que a criança ou adolescente esteja sofrendo violência. Os tipos de comportamento vão indicar, como isolamento, tristeza, apatia, quando apresenta alguma regressão, sexualidade aflorada fora da faixa etária, linguagem inapropriada para a idade, medo e queda no rendimento escolar.
“O mais cruel é que muitas não ficam marcas no corpo, o que torna difícil a responsabilização do agressor”, comenta a coordenadora do Creas, Naiara Büll.
A psicóloga Débora Xavier explica que o tempo de atendimento e assistência depende do estado de cada vítima. “Tem uma estratégia para cada caso e fase. Quando são muito pequenas e, às vezes, nem falam direito, busco nos atendimentos psicológicos mais o sentimento, com bate-papo e com atividades lúdicas. Fazemos também um trabalho de orientação sobre os fatores de risco e de proteção, como por exemplo quem pode tocar o corpo ou não, porque a criança não vê de forma maliciosa. As orientações são direcionadas às famílias também”, afirma.
O Creas de Rio Claro conta com nove profissionais que atuam em parceria com o Cras. “Quando tem o encerramento do caso, a família deve ser acompanhada pelo Cras e Conselho Tutelar”, afirma a secretária de Desenvolvimento, Érica Cristina Belomi.
De todos os casos em atendimento no Creas, apenas um dos agressores foi preso: o citado no começo da matéria. No caso, foi possível comprovar com material genético colhido na vítima.
“Difícil trabalhar a superação se o agressor continua dentro de casa”, finalizam as assistentes sociais Cintia Roberta Boratti e Michele Moraes.
DIREITOS
A advogada e presidente da Comissão da Infância, Juventude e Adoção da OAB de Rio Claro, Maisa Cristina Nunes, esclarece que praticar conjunção carnal, ato libidinoso com menor de 14 anos É CRIME, e a pena é de reclusão de oito a 15 anos. Se resultar em lesão corporal de natureza grave, a pena é de dez a 20 anos e, se ocorrer morte, a pena é de 12 a 30 anos de reclusão.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, reconhece que crianças e adolescentes são portadoras de direitos fundamentais, assegurando, inclusive, o direito de não sofrer abuso e exploração sexual.
O Código Penal tipifica o estupro de vulnerável com o objetivo de proteger a dignidade sexual do vulnerável. Nesse crime, é irrelevante se a vítima consentiu ou não o ato sexual, pois criança não tem liberdade sexual para consentir o ato.
Maisa Nunes avalia que a sociedade brasileira tem resistência em reconhecer que crianças e adolescentes são portadores de direitos, e consideram o Estatuto da Criança e Adolescente um sistema extremamente protetor que cerceia o direito da família perante seus filhos. “Diante dessa resistência, a violência sexual infantil ganha números exorbitantes nas estatísticas brasileiras. O abuso sexual não é somente o estupro.
É qualquer ato que utilize a figura da criança ou adolescente para satisfazer o erotismo do agressor, como por exemplo toque, carinhos inapropriados e beijos. Muitas vezes confunde a vítima, que acredita que é apenas um carinho. A violência sexual fere os direitos humanos, e não é aceitável no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que as estatísticas são assustadoras”, diz.
A advogada faz um alerta. “Conclui-se que a família deve ser seletiva com as pessoas que convivem com o menor, pois, na maioria das vezes, o agressor é conhecido da família ou parente. O vínculo de confiança é utilizado para a prática do crime”, observa.
CASO RECENTE
Nessa quarta-feira (29), um professor de educação física de um projeto social, localizado no bairro Santa Clara, em Rio Claro, foi preso em flagrante por estupro de vulnerável. A polícia recebeu denúncia de que o professor estaria no local e teria molestado as alunas, passando a mão em partes íntimas das vítimas, inclusive em outras datas.
Ao chegarem no local, os PMs encontraram diversas mães acompanhadas com as filhas e relataram os abusos. O acusado estava trancado no banheiro com medo de represálias. No local, estavam ainda duas responsáveis pelo projeto. Todas as partes foram encaminhadas ao plantão policial e a autoridade ratificou a prisão recolhendo o acusado à cadeia pública. Em depoimento, as mães disseram que já era de conhecimento dos responsáveis do projeto o que estava acontecendo.