Na última quarta-feira (3), a organização do Festival de Cannes divulgou os 56 filmes que compõem sua seleção oficial, selo de qualidade do qual poderão se beneficiar enquanto o evento, que aconteceria em maio, foi cancelado devido à pandemia de coronavírus.
Dentre os selecionados, apenas um brasileiro, “Casa de Antiguidades”, primeiro longa-metragem do diretor rio-clarense João Paulo Miranda Maria. O filme nacional está na lista ao lado de “El Olvido que Seremos”, do espanhol Fernando Trueba; “Falling”, do norte-americano Vigo Mortensen; o aguardado “The French Dispatch”, de Wes Anderson; e dois filmes do diretor britânico Steve McQueen, vencedor do Oscar por “Doze anos de Escravidão”.
Já conhecido no município por seus inúmeros trabalhos no setor cultural e, sobretudo, social com o grupo de cinema Kino-Olho, João Paulo participa pela segunda vez do renomado festival. Em 2016, o diretor recebeu o prêmio especial do júri pelo curta-metragem “A moça que Dançou com o Diabo”, filmado em Rio Claro e desenvolvido junto ao grupo de artistas do município.
Com “Casa de Antiguidades”, Miranda traz uma proposta ousada e que conta com um grande nome do cinema brasileiro: Antonio Pitanga. O ator conquistou a Palma de Ouro, em 1962, com o filme “O Pagador de Promessas”, até hoje o único filme brasileiro a conquistar o prêmio máximo em Cannes.
Em vídeo divulgado, Pitanga ressaltou sua alegria ao receber a notícia. “A minha alegria é total, me sinto uma criança com 80 anos. O personagem está muito ligado à realidade do mundo, sobre o preconceito racial, sobre a perseguição dom home pelo homem. É um personagem de um vigor e humanidade e incríveis”, disse.
O enredo do filme traz Cristovam (Antonio Pitanga), um homem negro originário do interior brasileiro, que trabalha em uma fábrica de leite de uma região próspera do Brasil, antiga colônia austríaca. Ele se sente sozinho, marcado pelas diferenças culturais e étnicas. Um dia ele descobre uma casa abandonada cheia de objetos lembrando suas origens. Ele está tomando gradualmente posse da casa. Curiosamente, objetos aparecem lá, sem explicação, como se fosse um lugar “vivo”.
Em publicação, o diretor João Paulo reforçou a importância dessa indicação para o momento pelo qual passa o cinema nacional “Infelizmente, não haverá o glamour do tapete vermelho nem as sessões de photocall. O que de fato não significam em si o que é o Cinema. O mais importante é o impacto que estes filmes darão. Esta seleção é um anúncio do Cinema de amanhã, que precisa encarar toda esta crise que vivemos.
Meu primeiro longa está longe do senso comum, do bom gosto e será impossível ficar indiferente diante de suas provocações. Nele me expus e perdi qualquer medo em arriscar ou beirar o ridículo. Algo que incomodava à tal ponto que não consegui guardar pra mim e está explodindo. Para chegar aqui foram degraus importantes com os curtas na Semana da Crítica, Competição Oficial e Mostra de Veneza (2015, 2016 e 2017).
Porém, é apenas o começo para pretensões ainda maiores. O filme tem o protagonismo de Antonio Pitanga, com seus mais de 80 anos, interpretando Cristovam; um homem que veio do interior de Goiás e que enfrentará violentamente um grupo ultra conservador no sul do Brasil. Isto o guiará num buraco negro profundo e complexo; que espelha um Brasil que está perdido no tempo, com cara dos anos 70.
Para mim é necessário assumir o espírito vanguardista e usar todas minhas forças para uma linguagem digna aos grandes nomes do Cinema; como Bresson, Pasolini, Ozu, Peixoto ou Glauber, para citar alguns. O Cinema Brasileiro não pode ter medo e irei contribuir assim como Kleber, Dornelles, Karim, Mascaro, Dutra, Caetano, Muylaert e outros que estão vindo forte. Quanto maior a provocação, maior será a vontade de lutar”, escreveu João Paulo.
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