É cada vez maior o número de adeptos dos cigarros eletrônicos, também chamados de vapes: estima-se que ao menos 20% dos jovens adultos brasileiros já tenham usado ao menos uma vez esses aparelhos inicialmente desenvolvidos com o objetivo de facilitar a cessação do tabagismo. Mas as pesquisas científicas têm demonstrado justamente o contrário. Esses dispositivos não ajudam a parar de fumar e ainda aumentam significativamente a dependência de nicotina, além de causar outros danos à saúde.
Atualmente, sabe-se que o cigarro eletrônico pode gerar lesões agudas nos pulmões e está associado a doenças e riscos similares aos do cigarro comum, como asma, DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) e enfisema pulmonar, além de poder causar alterações nos vasos sanguíneos, aumentando o risco cardiovascular. Seus compostos também possuem substâncias cancerígenas.
Agora, um estudo realizado no Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (ICT-Unesp), com a colaboração de cientistas das universidades de São Paulo (USP) e de Santiago de Compostela, na Espanha, constatou que os vapes alteram a composição da saliva dos usuários, aumentando o risco de doenças bucais, como cáries, lesões da mucosa e doença periodontal.
Os resultados da pesquisa, apoiada pela Fapesp por meio de quatro projetos (20/10362-0, 20/10322-9, 22/16249-7 e 24/20063-1), foram publicados no International Journal of Molecular Sciences e compõem parte dos resultados obtidos durante o doutorado de Bruna Fernandes do Carmo Carvalho.
Análise da saliva
Para chegar à conclusão, os pesquisadores selecionaram 50 jovens sem alterações clínicas visíveis na mucosa oral, com média de idade entre 26 e 27 anos: 25 usuários regulares e exclusivos de cigarros eletrônicos há pelo menos seis meses e 25 não usuários para o grupo-controle. É importante ressaltar que, no Brasil, o consumo e a venda de cigarros eletrônicos são proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009 – daí a dificuldade de encontrar voluntários que concordassem em participar do estudo.
Todos forneceram amostras de saliva para serem feitas análises que incluíram a sialiometria (avaliação da saliva), viscosidade, pH e concentrações de cotinina – um importante biomarcador relacionado à exposição à nicotina. Altas doses dessa substância na saliva, urina ou sangue estão associadas a maiores níveis de dependência. Os voluntários também passaram por análises clínicas, que mediram a frequência cardíaca, a oximetria, a glicemia, a concentração do monóxido de carbono (CO) no ar exalado e o uso de álcool.
Após a análise da saliva, os pesquisadores constataram alta concentração de cotinina entre os usuários de cigarros eletrônicos. Eles também identificaram a presença de 342 metabólitos salivares (compostos resultantes do metabolismo de substâncias na saliva), mas foram considerados para a análise apenas aqueles encontrados em pelo menos 70% das amostras.
Do total, 101 metabólitos foram incluídos no estudo: 61 eram exclusivos do grupo de usuários, enquanto 40 compostos eram compartilhados entre os dois grupos. A partir de então, sete biomarcadores promissores foram identificados: quatro se mostraram específicos e aumentaram no grupo que usa cigarros eletrônicos (ácido esteárico, ácido elaídico, valina e ácido 3-fenilático) e três foram compartilhados entre os grupos (galactitol, glicerol 2-fosfato e glucono-1,5-lactona).
“A identificação desses metabólitos é importante porque eles podem se tornar potenciais biomarcadores para a detecção precoce de alterações de saúde. Ainda não temos bem estabelecido na literatura científica qual é o impacto dessa alteração na saúde, mas sabemos que está relacionado a questões inflamatórias, metabolismo de substâncias químicas estranhas ao corpo [como drogas ou toxinas] e aos efeitos da queima de biomassa”, explica a cirurgiã-dentista Janete Dias Almeida, professora titular do Departamento de Biociências e Diagnóstico Bucal da Unesp e coordenadora do estudo. Isso significa que vias inflamatórias específicas ligadas à doença periodontal, por exemplo, podem ser induzidas por cigarros eletrônicos.
Os resultados dessas análises foram apresentados durante o 17º Congresso da Sociedad Española de Medicina (Semo) e a 18ª Reunião da Academia Iberoamericana de Patología y Medicina Bucal (AIPMB), realizados em Santiago de Compostela, na Espanha, em 2023, tendo recebido menção honrosa.
Por Agência SP / Foto: Joédson Alves/Agência Brasil