Agora que já tem dez anos, algumas coisas você poderá entender, outras ainda não, a respeito do mecanismo que vão tentar lhe colocar. Mas fica essa carta para que leia em diferentes momentos de sua vida.
Depois de trabalhar umas oito horas no dia, você ainda vai ter que fazer exercícios, comer pouco, nunca aquilo que deseja comer, cuidar da aparência, ler, engatar um novo estudo, estar com os filhos, ser esposa, marido, filho também, não esquecer dos amigos, economizar dinheiro e reprimir ao máximo todos os seus desejos mais íntimos. Ah, e construíram religiões que vão tentar te impingir culpa e medo de ir em busca do que te faz feliz.
E um mecanismo de “pressão, pressão, descanso, descanso” vai se impor em sua vida, numa rotina que vai te fazer abandonar questões mais profundas do tipo: Para que estou carregando tanto peso em meus ombros? Por que tudo isso? O que estou perseguindo no meio desse lamaçal do cotidiano?
Se você ceder aos apelos das pessoas mais reprimidas e frustradas, que querem só enxergar o mesmo de si nos outros, ah, minha filha, você poderá entrar em um poço sem fundo, onde nunca haverá ponto de equilíbrio. Sempre é preciso ganhar mais, para pagar mais contas, para mostrar algo que não se é viver sempre desejando uma vida que não é sua. E isso pode te consumir miseravelmente. Não caia nesse poço.
Ali, como dizia o Freud somos de carne e osso, mas somos obrigados a viver como se fôssemos de ferro. Negue-se a viver esse mal-estar na civilização.
Não se iluda em desejar que venha rápido sua vida adulta. É a mais pura e trágica ilusão. Saiba que a gente vive, ou sobrevive, com o choque entre o desejo de individualidade e as expectativas da sociedade.
E o custo psicológico disso é brutal. Veja, minha filha, a quantidade de pessoas padecendo de síndrome do pânico, depressão, compulsões das mais variadas e ansiedade. Fuja, fuja das fôrmas, das fórmulas prontas!
Vão querer te colocar numa fôrma, para se adequar àquilo que querem. Vão tentar te adaptar. Vão tentar te convencer a matar seus sonhos em prol da busca por algo impalpável chamado conforto, do carro, a prestação que vai vencer, a casa financiada, o mês que é pensado apenas financeiramente, mecanicamente, enquanto a vida passa.
Se posso te dar um conselho apenas é um bem simples: escolha.
Mas escolha aquilo que quer para a sua vida sem pensar com a cabeça dos outros, nem das instituições. Aquilo que te faz feliz, que quando viver não vai mais querer que o tempo passe.
Vão tentar ditar regras até de como você deve sentir prazer. Cuidado, fuja disso também. Frustrados em seu próprio prazer viram policiais do comportamento alheio, carcereiros dos desejos dos outros.
Em nosso modo ocidental de viver, alicerçado na culpa judaico-cristã, parece que sempre estamos em dívida conosco, com a sociedade, com o mundo e com Deus. E tais angústias servem muito bem para o funcionamento do sistema.
É muito mais fácil seguir receitas prontas de livros de autoajuda, de palestras, coachs, gurus, que ir em busca de sua singularidade, daquilo que de fato faz vibrar o coração. Nada pior do que ser escravo da expectativa dos outros. Ela é que gera a maioria das imposições, principalmente as expectativas dos pais. Fuja disso.
Arrisque-se na angústia de viver sua própria vida e diante do caminho que decidiu seguir, mesmo que seja contra tudo e contra todos. Você é livre! Condenada a ser livre, como dizia Sartre.
Peite os infelizes, combata toda injustiça, massacre o machismo. “Torne-se mulher!”
Vá em busca do seu caminho de bem-aventurança, da sua jornada da heroína, única, pessoal e intransferível. E assim, parafraseando de novo a Simone de Beauvoir, “que nada te defina, que nada te sujeite. Que a liberdade seja a sua própria substância, já que viver é ser livre.”
Vai filha, viva a aventura de ser Cecília em toda a sua totalidade!