Cantos diversos
[Canto de Velhos – 2ª parte]
Dona Leontina
Dona Leontina, velha senhora negra,
faxinava, todos os dias,
as casas das mulheres brancas.
Na sexta-feira, dizia:
– à noite, vou dançar no clube.
– Vá descansar dona Leontina!
A semana foi pesada.
Mas, dona Leontina não queria descansar.
“Terei muito tempo depois de meu tempo”.
Na sexta-feira,
dona Leontina só queria dançar.
E sorria, e se alegrava e ria,
apesar dos olhos cansados da vida.
[Canto dos Mortos]
A face do morto
Exposta a face fria
do morto,
a máscara,
que o rosto envolvia,
murcha com as flores,
apodrece com a madeira,
não revelando, contudo,
o mistério
que, no entanto, existia.
A morta
Não grita aquela que está para morrer.
Mesmo ferida de fome, miséria e desprezo
– as três feras que lhe devoram a existência –
não mostra revolta.
Tem as mãos derrubadas,
os seios caídos,
os filhos mortos
e a casa vazia.
Vestes rotas atraem moscas.
Não as espanta o vento.
Entre os indiferentes
a mulher permanece vencida.
Há um deserto na alma.
E o rosto, seco, é a lágrima de seu destino.
Recosta a cabeça.
E, ali, aquela que morria, expira.
Segue que a mão indiferente
Que, em vida, a não acudiu
é a mesma que a leva, agora, para enterrar.
Notícia do dia seguinte
É noite.
Cães ladram ao longe.
Ouve-se um grito.
Foi a morte que passou?
E vem o dia.
E cresce a vida em
movimentos.
E, lá, de onde veio o grito,
Cenas de luto.
Foi a morte que passou!
Um grito
Um rosto de horror
Um vulto em fuga entre sombras
Um instante envolto em segredos
Um corpo ensanguentado inerte no chão
Um alguém que se ajoelha
Um olho de doer chorando
Um espírito longe
Um grito