Cantos diversos
Os poemas a seguir são uma continuação do meu livro “Cantos Diversos”, na parte: “Canto de Velhos”.
CASA DE VELHOS
Rosto branco gravado no camafeu
Preso à blusa velha
Da velha de rosto branco.
Móveis antigos
Escondendo segredos
De tempos passados.
Móveis com cupins indiferentes
Ao baço olhar da anciã.
Nasala, a ausência de quem se foi.
No sofá, almofadas intocáveis.
Jornais não lidos, ali, no canto.
Chinelos guardados no criado-mudo.
Os risos
Estão escondidos na memória?
Aqui, a vida se revela em silêncio.
E o relógio marca
Horas intermináveis de tédio.
O quarto, em penumbra,
Exala cheiro de velas.
De remédios e cinzas de cigarro.
Tudo está envolto em mistério.
Paredes envelhecidas.
Tapetes esgarçados.
E a anciã com o rosto compungido
Ignorando as coisas
Como também é ignorada.
De passos lentos,
De passos velhos,
Caminha em direção à caixinha de música.
Ao abri-la, a canção de amor escapa.
Os velhos olhos lacrimejam.
(Em seu coração,
A morte, sensível, faz teias).
Depois, caminha arrastando os pés
Cansados e melancólicos.
Sente dificuldade em respirar.
Sente-se sem ar.
Desabotoa o colarinho da blusa.
Tem o rosto lívido,
De uma só expressão.
Retira o camafeu.
Ela cai ao chão.
Livros esquecidos
Nas estantes empoeiradas,
De dedicatórias se apagando.
Datas diluindo-se.
E a canção de amor fugindo
Da caixinha de música
Como nos tempos felizes.
Dos olhos do gato a indiferença.
E as coisas vão se apagando de leve,
Levemente.
De leve, a penumbra, já existente,
Vai invadindo
O corpo estendido da velha.
A canção da caixinha de música,
A canção dos tempos felizes,
De leve vai parando.
E quando para de vez,
O silêncio de morte paira no ar,
Na caixinha de música,
No velho corpo estirado.
Nesse cenário,
O gato, mansamente, sai de cena,
Deslizando por entre
Cortinas velhas
Que pendem da porta carcomida.
E desaparece ali, mais adiante
Como uma sombra da vida.