Cantos Diversos
As pombas
[1] A pomba da guerra
Bomba atada ao corpo,
A pomba da guerra – o morto –
Se suicida. E assassina.
Torto monstro, sem porto,
A desejada vida extermina,
Sem dó, nem dor, de uma só sina.
[2] A pomba negra
Uma vez, a branca gritou:
Venha cá, negrinha!
E a menina foi, ouviu
As ofensas e se calou.
– E foi por medo.
Outra vez, a branca gritou:
Venha cá, negrinha!
E a jovem foi, ouviu
As ofensas e se calou.
– E foi por vergonha.
Nova vez, a branca gritou:
Venha cá, sua negra!
E a negra foi, ouviu
As ofensas e se calou.
– E foi por costume.
[3] A pomba de concreto
A cidade acorda, se movimenta,
Se agita, fala, diz, comenta,
Grita, uiva, esganiça, urra,
Se irrita, e, cansada, sussurra
Do ouvido ao pé.
Vive às turras, aos murros,
Nos morros, vielas, casas, ruas,
Cines, shoppings, entre os urros
Dos viventes – almas nuas
No olvido, sem fé.
A cidade – pomba perdida –
Está diante dos olhos. E a vida,
Passageira na vidraça quebrada
– Se esvai ofegante e transtornada.
Para onde vai?!
A cidade exibe os medos,
Os ódios, decepções, incertezas.
A notícia entre os dedos
Proclama menos alegria que tristezas.
Para onde se vai?!
E assim, na cidade dividida,
A vida passa, hein,
Diante da vidraça partida
– Expressão da alma que se tem!
Valinhos/2005valinhos, 28/3/2002
[4] A pomba ausente
(“E a chuva promete não deixar vestígios”
– Raul Seixas)
Quando ontem chovia,
No jardim havia
Um pouco de terra fria
A verde grama macia
A boca murcha que antes sorria.
Onde ontem havia
A chuva que escondia
Da terra certa magia?
Era uma boca que dizia:
Onde ontem a chuva caía?
Na terra mais que fria,
A chuva molhava a grama macia
E a boca murcha que nela se escondia.
Amanhã, haverá novo dia.
Quem se lembrará, Maria,
De ontem onde, então, chovia?