CANTOS DIVERSOS II
Da parte Canto de Luz e Trevas]
A HORA DO ANJO
(Dedico este poema a todas as crianças violentadas, ou mortas e que, inocentes, padeceram sob o jugo daqueles que vieram para este mundo, sem luz, sem credo, sem lei e sem piedade).
O anjo caminha, distraído,
Nas alamedas do jardim da paz,
Nos limites da luz e das trevas.
Tem as asas recolhidas e não percebe
Os inimigos do bem vigiando seus passos.
Os inimigos, encarnados de maldade,
Que maquinam o mal e querem vingança.
Sutis, caminham com patas felinas
Deslizando em silêncio, naqueles limites,
Preparando-se para o ataque.
De repente, avançam
Sobre o pequeno anjo, imobilizando-o.
E parecem triunfar.
O mais audacioso dele proclama:
“Te surpreendemos. E te prendemos.
Os teus olhos, vendados, não veem.
A tua boca, tapada, não fala.
As tuas mãos, manietadas, não gesticulam.
Os teus pés, amarrados, não fogem.
Tu só podes ouvir.
Te prendemos.
Somos muitos. E tu, apenas, um.
Não queiras adivinhar o teu amanhã.
Nosso prazer não alcançou, ainda,
Os limites da maldade.
Nossos desígnios tampouco foram votados.
Temos tempo.
Distantes estão os raios de sol.
Pecar é uma possibilidade de nossa {vontade.
E o anjo, como se sabe, não faz acordo.
Só tem compromisso com as mensagens.
Tua fala estava incomodando.
Teu verbo não compunha a canção
Que queríamos ouvir. Muitos te traíram.
Todos aqueles que gostarão
De beber do teu sangue.
De possuir tuas asas. E de cegar teus olhos.
Por desínios além de nossos limites
Foi-nos permitido converter
A tua vida em trama
E a trama em pecado.
Agora que estás, aí, espancado e descaído,
Não consegues mais voar.
E não tens poder para nos subjugar à lei.
Que ouças, antes, o riso sarcástico
De bocas voluptuosas,
O olhar maldito de seres demoníacos,
O gesto tresloucado
De todos que querem pecar,
O grito cavernoso
Dos que querem vencer nas trevas,
E pressentem que,
Se não vencerem nesta noite,
Estarão perdidos
E serão derrotados e amaldiçoados.
Por isso, anjo do Senhor,
Não tentes dizer nada
Nesta hora de horror,
Ainda que muitas serão as tuas lágrimas
Dos poucos que têm piedade de ti.
E tu hás de escutar
O doloroso ranger de dentes,
Sentir o amargor do ventre,
Ouvir as vozes de todos nós blasfemando
Junto ao teu rosto de menino.
Se houvesse uma canção…!…?…
Mas, ainda que houvesse uma canção,
Nada mudaria.
É preciso entenderes que, ao invés de paz,
Deve haver destruição, haver mutilação,
Haver decepção.
Ao invés de paz, há de se querer tudo
O que o mal de tudo
Pode inventar de tenebroso e dantesco.
Tu estás sob o nosso jugo, aqui.
Somos muitos. E tu, apenas, um.
Te mataremos. Nada nos deterá.
Nem tua prece, menino da luz.
Te mataremos,
Apesar de tão distantes, ainda,
Os raios de sol.
E nós, rebelados, vivemos
Em contínuo tormento,
Sempre aguilhoados.
E atormentamos a todos
Que pudermos com nossos aguilhões.
E queremos o mal.
Muitos somos.
Não adianta nos reconhecer.
Os mortos não denunciam.
Tudo correrá segundo a nossa vontade.
As mulheres irão querer te apedrejar
Porque ofendidas
Por tuas palavras de retidão.
Os homens desejarão te esfolar
Porque ofendidos
Por tuas palavras de correção.
Muitos somos.
E apesar de tudo o que somos
Sabemos no fundo de nós mesmos
Que tu, frágil cordeiro, podes,
Em verdade, nos dcestruir,
Petrtencente que és ao rebanho do {Senhor.
Mas, antes que tu grites,
Tu serás sacrificado.
E tua voz, por estar certamente fraca,
Não poderá mais ferir nossos ouvidos,
Embora pudesse deter nossas intenções.
E pior: se os Querubins ouvissem
Teu simples murmúrio,
Viriam com espadas, lanças e escudos,
E haveria ranger de dentes.
E seríamos nós a gritar.
E haveria medo entre os nossos guerreiros.
E seríamos nós a gritar.
E haveria discussões em nossas alas.
E seríamos nós a gritar.
Somos muitos.
E a nossa voz, como latido esganiçado,
Precisa encobrir o teu balido.
Temos medo dos Querubins,
Que viriam em teu favor,
Porque seríamos nós a gritar.
De tudo o que se foi e se perdeu,
De tudo o que se adquiriu e apodreceu,
De tudo o que se conquistou e se pensou,
Não podemos vacilar nesta hora
De nosso prazer maior.
Não fiques, portanto, aí
Tentando adivinhar teu futuro.
Ah, onde não podes ver,
Está sendo preparado o altar do sacrifício. Menino da luz,
Vai demorar mais tempo
Que um instante de dor.
E o teu sangue derramado
Será consumido
Por todas essas bocas voluptuosas.
Já amanhece.
Somos muitos. E tu, o traído, apenas um.
Já amanhece.
Ali naquele canto, tu serás imolado.
Não haverás de gritar nem de lamentar
E não terás tempo para o perdão.
E já que amanhece,
É chegada a hora de tua morte.
Que assim se faça.