Canto de Rostos e Máscaras
[20]
Lentamente,
virou o rosto
e, surpreso,
notou as rugas,
surgidas,
lentamente.
[21]
No rio do tempo navega a existência.
Nas águas passadas as passadas ilusões.
Restam olhares feridos por pedras e prisões.
Restam ofensas não cicatrizadas.
Restam máscaras dos que se foram.
Restam rastros dos rostos sem ciência.
Nas águas passadas as passadas ilusões.
No rio do tempo a navegante existência.
[22]
No mundo, um vulto passeia.
Quem sabe quem seja?
Deixem-no passar.
Deixem-no passar,
mesmo que não use máscara,
nem tenha rosto,
mesmo que não sinta medo
nem possua sentimento ou razão.
Importa, apenas,
que passe,
levando consigo o nosso calafrio,
o nosso horror,
a nossa expressão de espanto
entre o sim e o não.
[23]
A máscara esconde rosto desconhecido.
É proteção da timidez.
Olhando bem, é do orgulho.
Sentindo melhor, é da inveja.
Em verdade, a máscara é o disfarce.
Quem há de decifrar essa esfinge?
[24]
Rostos e máscaras!
Como decifrar uns e outras?
Tão desiguais, tão interpenetrados.
Os rostos trazem as máscaras.
As máscaras, os rostos.
Vendo-os, são rostos.
Vivendo, são máscaras.
Compreendendo, rostos só.
Ansiando, só máscaras.
Não se quer a farsa.
Não se quer a mentira.
Há de se querer fora do teatro.
Parece que são os rostos.
Não são eles. São as máscaras.
Não são elas. São os rostos.
Uns e outras se confundem.
Vive-se e há descobertas.
Vive-se e há decepções.
As máscaras cobrem os rostos.
E os rostos, as máscaras.
E o enigma segue indesvendável.
[25]
Libertar-se das amarras,
ignorando rostos e máscaras.
Não possuía máscara,
nem apresentava cicatrizes.
Oferecia, apenas,
o mágico olhar de menino.
Para surpresa,
vinha, agora, com riscos no rosto.
Para surpresa, nada ficou.
Nem marcas nem rugas nem traços.
Para surpresa,
o tempo desfez o rosto do morto,
já esquecido, já deslembrado.
[26]
Viver sem máscara.
Viver o que se é. E não o do imaginar.
Ir-se no caminho- vida,
pPerder-se no desvio-morte,
sem indagar.
[27]
As canções. Ah! as canções.
Estão guardadas,
como as fotografias,
como o amor e os gestos,
os detalhes, as palavras e todo o resto.
Do rosto as expressões
não são lembradas
e das máscaras
as lembranças são esquecidas.
[28]
Depois de tempo, ousou voltar.
Trouxe consigo o drama de ter existido.
Foi em aventuras,
delas, agora, deslembrado.
Sem enfrentar o próprio rosto,
encontra-se acuado
para não tocar as próprias feridas. E mais:
escondido que está do próprio medo,
cala a voz entre arrependimentos
e desassossego e perdas.
Espera que a vergonha não se descubra
ante a lembrança da cena da queda. E mais:
no fundo dessa sombra em que ficou,
embala-o a existência fugaz.