Canto de Rostos e Máscaras
14]
(Lembrando Carlos Drummond de Andrade)
No meio do caminho, parei, em solidão.
Cantei versos às sombras
de minha memória.
Sombras que se foram com passos mágicos,
sem gestos e sem voz.
Sombras que se foram sem rostos
e sem máscaras.
No meio do caminho, estou,
como um vulto de minha memória.
Como uma sombra, sem rosto.
Em solidão, e também sem máscara.
[15]
Ele traz traços da vida.
E chega sem esperança.
As expressões das máscaras,
tão bem reconhecidas,
só servem para engano geral.
A esperança ele não conseguiu mascarar.
Assim, ela dele acabou perdida,
e ele dela acabou esquecido.
[16]
A mão retira do rosto a velha máscara posta.
Nota-se luz na face do velho
surgida da lembrança do menino.
Distancia-se, por breve tempo,
de si.
Por instante, o rosto do velho,
por essa lembrança,
brilha.
Temendo a realidade,
de novo se esconde
atrás da máscara,
muito mais enrugada, agora.
[17]
Com as cores e os sofrimentos,
os medos e a indignação,
as mãos criaram as máscaras.
A esperança e a imaginação
vão escondidas no rosto.
Nas pernas o cansaço e o desânimo
de muitos caminhos.
O temor e as feridas
ficam nas mãos da composição.
Orgulhoso da obra,
aparece entre os filhos da tristeza,
despertando a ira dos invejosos.
Traído pelos fracos
tem a máscara roubada,
o rosto dilacerado
e o corpo ferido.
Houve afronta aos deuses?
Morto, do arquiteto
o rosto é esquecido.
E as máscaras, filhas da imaginação,
restam sem brilho,
como coisas perdidas e deslembradas.
[18]
A máscara em rosto se transforma.
Tão igual fica
que o rosto em máscara
quer se transformar.
[19]
Deixa transparecer
n’água do lago
o teu rosto carente de afago.
Deixa transparecer
n’água do lago
o teu desgosto demente de mago.
Deixa transparecer
a tua compreensão do mundo:
– existir e desaparecer.
Deixa transparecer
o grito de medida exata
e o choro da alma insensata.
Deixa transparecer
as tuas penas do viver
e as que de ti ninguém tiver.
[20]
Lentamente,
virou o rosto
e, surpreso,
notou as rugas,
surgidas,
lentamente.
[21]
No rio do tempo navega a existência.
Nas águas passadas as passadas ilusões.
Restam olhares feridos por pedras e prisões.
Restam ofensas não cicatrizadas.
Restam máscaras dos que se foram.
Restam rastros dos rostos sem ciência.
Nas águas passadas as passadas ilusões.
No rio do tempo a navegante existência.