Canto de Rostos e Máscaras
[7]
Não se cria
um rosto, trazendo-o pintado.
Nem se tem outro
com a máscara possuída.
Pode a pintura
disfarçar
a máscara reconhecida,
mas, nunca, o rosto
jamais devassado.
[8]
Diante do espelho,
o olho não decifra
o rosto que vê,
mascarado que está.
Diante do espelho,
o olho não decifra mais
a máscara composta pelo tempo,
confundida que ficou
com o próprio rosto.
Diante do espelho
o olho não denota mais
os contornos dela,
nem os limites do outro,
estando, assim, criado o mistério.
[9]
As histórias de fada
se foram com a infância.
A magia era tudo, então.
E o mistério, indesvendável.
Assim, ia-se por onde se sonhava,
e perdia-se, mesmo estando achado.
Era um mundo mágico.
Mas, a fada do tempo
a tudo fez desaparecer.
Sobram, hoje,
rostos e máscaras,
restos e lembranças,
rastros e canções.
Findou-se o que era mágico.
Só o mistério não para de fluir.
[10]
O tempo cria a ruga.
A ruga, o medo.
O medo, o mito.
O mito, o mistério.
O mistério, o tempo.
O tempo, a máscara do rosto.
[11]
Não leve o tempo
as últimas máscaras de teu rosto,
pois, não sobreviverias a ti mesmo
sem as expressões de triste realidade,
de medo e covardia.
Não leve o tempo
os últimos detalhes
de tuas últimas feições,
pois, não saberias recriá-las
na escuridão de teus olhos negros.
Não leve o tempo
as últimas surpresas
que brotam de teu olhar envelhecido,
pois, não te compreenderias vivendo
sem coração, sem alma, sem poesia.
Não leve o tempo
as últimas canções,
pois, não saberias compor
músicas ou rimas
para continuares a dançar, então.
Mas, leve o tempo da memória
a história de existir sem amor
retratado em teu rosto mascarado.
[12]
O olho,
presenciando
marcas amargas
que vincam
o rosto
de fundos riscos,
recria
o sorriso,
então, composto
para o momento,
disfarce
que mascara
amargas marcas
do coração.
[13]
Nos contornos da máscara
os cortes e as cicatrizes.
Reconhecido o rosto, porém,
embora estivesse guardado.
A distância entre as existências,
a velha máscara, que se tem,
o rosto modificou.
Envelhecido, o rosto se deixou reconhecer.
E foi pelo olhar.
Só pelo olhar
– a última luz que não deixou de brilhar.