Canto de Rostos e Máscaras
[MOTE]
– Como teu rosto está mudado!
– Eu sei. Saí sem máscara.
Voltas –
[1]
E porque as pessoas
eram traidoras,
ele teceu máscara de proteção.
E porque o rosto era frágil,
sob a máscara se escondeu.
Procurou, assim, dissimular a expressão.
Apesar de tudo,
foi reconhecido:
Não havia guardado o olhar.
Retirou a máscara por desnecessária.
Viu, entretanto, para sua surpresa,
ser o rosto aquela máscara antes presa.
[2]
As fotografias,
que a tudo mostravam,
estão perdidas.
Assim, dos rostos as expressões
não são lembradas.
E das máscaras, as lembranças
vão esquecidas.
Mas, há, por tudo,
saudade
– a última expressão havida.
[3]
Olhando-se no espelho, mal se vê.
Tem contornos indefinidos.
Poucos os detalhes esquecidos.
Muitos os defeitos ignorados.
As máscaras são conhecidas.
As rugas, essas, já vincadas.
As marcas, todas, já fincadas.
Como esquecer as feridas?
Não se pode ignorar a hora.
Nem o tempo desconhecer.
E tudo neste agora.
A vida haverá de se perder,
Sem as máscaras. Não demora,
e um rosto começa a morrer.
[4]
Ele era um.
Mas, sem se dar conta,
viu-se em muitos.
Nem sabia quantos,
estando o único multiplicado.
Convivendo só consigo,
aprendeu a viver como um.
E, sem decifrar o mistério,
criou um outro.
E, sem se perder,
nunca se achou.
E, por não se encontrar,
nunca se conheceu.
Compôs, então, máscaras,
com expressões de rostos desejados,
tendo aprendido
a arte de se disfarçar em muitos,
sendo um,
ele próprio, o ignorado.
[5]
O palhaço pisou no picadeiro.
Construiu o riso e o sonho.
Houve aplauso.
Sorria, tendo o rosto pintado.
Passava por pessoa feliz.
Não contrariou.
Depois do espetáculo,
sozinho num canto,
enfrentava a si mesmo
sem o rosto pintado,
sabendo-se infeliz.
[6]
Não arranques a máscara do rosto.
Os olhos não suportariam esse encontro.
Esses olhos que guardam tristeza,
embora a história mostrasse outros lados.
Esses olhos infiéis,
apesar da compreensão das mulheres.
Esses olhos despreocupados,
porque a ave renasce sempre.
Esses olhos distanciados
pelos dias que se foram sem história,
sem as mulheres,
sem as asas do pássaro
criador de aventuras.
Não arranques a máscara do rosto,
porque os olhos conheceriam a solidão,
que já vem mordendo os calcanhares.
Até hoje vinhas em disfarces
e amortecias o desespero para não chorar.
Não arranques a máscara.
Os olhos não suportariam esse desencanto.