Acreditar na cultura e na educação como fatores essenciais para a formação de uma sociedade melhor, sempre foram os ideais que nortearam a vida de Maria Teresa de Arruda Campos.
Aos 63 anos, a psicóloga e pedagoga – mestre e doutora pela faculdade de Educação da Unicamp – nunca deixou de apostar nos talentos rio-clarenses, de incentivar a educação e lutar pelo patrimônio histórico.
Além do trabalho com Ongs, em especial, o Centro de Voluntariado, foi criadora da Escola Semente – que tinha uma proposta de ensino diferenciada para o Brasil dos anos 1980 e 1990-, entre 2009 e 2016 atuou como superintendente do Arquivo Público Municipal de Rio Claro. Aperte o REC e registre mais essa História de uma importante personalidade de Rio Claro!
Você já atuou em diversas áreas, desde a educação, até o trabalho com o patrimônio e a cultura. Como é viver esse processo? “Isso. Sempre estive voltada para a Educação embora em diferentes espaços. A educação foi um fio condutor em minha vida. Viver no coletivo de projetos e vidas faz a gente acreditar que a educação é um tudo que recheia todas as profissões. Vivi a Escola Semente, o movimento social, Instituições sociais, o Arquivo, em todos esses espaços, esse fio condutor esteve presente.”
O incentivo que sempre deu à cultura acabou sendo uma característica sua, como surgiu isso em sua vida? “Sim, vivi numa família preocupada com a formação de seus filhos e ligada em seu papel no mundo. Pela cultura a gente pode rever muitas coisas, criar saídas e olhar para o outro como um par, como pessoas que podem se somar. Desde menina fui incentivada a acompanhar meu pai nas atividades que fazia para além de ser um juiz, aprendi no Grêmio estudantil no ginásio e colegial, depois na faculdade, nas Ongs onde fui voluntária, na profissão que abracei. Eu gosto de produzir, de fazer, de agir, de pôr a mão na massa, sabe?
E como vê a cultura nacional e local, atualmente? “Pensando na cultura local e nacional, vejo que assumir, criar e implementar políticas públicas de cultura tanto de produção como de acesso e difusão deveria ser a ordem primeira de todo governo. Infelizmente isso não é regra e o país sofre de políticos com pouca visão. Para a pasta da cultura sobra sempre muito pouco. Além disso, os governos sofrem da dor de não ser o pai do projeto, e ao assumir, em lugar de somar com o que estava sendo produzido, desmonta o que funcionava e começa outra coisa… essa descontinuidade acaba sendo um jeito muito pequeno de encarar essa missão de governar. Se está indo bem, por que interromper?”
O trabalho que desenvolveu no Arquivo Público Municipal é sempre lembrado, a que se deve esse reconhecimento? “Trabalhei de 12 a 15 horas por dia, por oito anos. Entrei numa Instituição que estava desacreditada, desqualificada, com pouquíssimos servidores. Tive apoio do governo para poder realizar a reorganização do Arquivo. Claro que ainda ficou muito a ser feito, mas conseguimos aumentar a equipe, criar cargos, fazer os concursos, organizar atividades de integração da Instituição com a comunidade, retomar o contato com pesquisadores e começar a mudança de suporte e a digitalização de documentos. Também iniciamos a reorganização do acervo, atividade lenta, porém necessária. Eu gostaria de ter feito muito mais, claro, mas penso que fizemos bastante. Muito trabalho, equipe comprometida, Conselho Superior atuante e apoio do governo. Esse quarteto faz dar certo.”
Ao se lembrar do passado, o que se arrepende de ter feito e de não ter feito? “Me arrependo de ter vendido a Escola Semente. Foi um tempo bem difícil e até hoje há muitos problemas não resolvidos. Infelizmente uma atitude errada que me custou muita saúde e tristeza. Arrependo-me de não ter me dedicado mais para os amigos e amigas, por algum tempo eu me afastei por conta de trabalho. Mas vai dar tempo de retomar a vida e fazer ainda muitas coisas legais, juntxs!”
Você transformou seu próprio quintal em um espaço de cultura. Como tem sido a aceitação do público e a sua vida, com esse espaço tão particular compartilhado com tantas pessoas? “A ideia não é ser um espaço de eventos, para todo tipo de atividade. É carta marcada, é a possibilidade de estarmos entre amigos. Na verdade minha casa, desde que me conheço por gente, sempre foi um espaço aberto e que gosta de receber. Meu pai criou os filhos dessa forma e é fácil verificar esse DNA em quase todos os irmãos. O Quintal da Teresa tem sido uma iniciativa do Centro de Voluntariado. Não objetiva lucro, apenas ir oferecendo um espaço leve, alegre e de pessoas que querem compartilhar bons momentos, com boa música e companhias agradáveis, praticando a solidariedade. Há limites porque é o quintal de nossa casa, ali moramos, ali temos nossa privacidade. Dividimos nosso espaço com amigos. Devagar estamos deixando mais acessível para que não tenha restrições de quem quer que seja. Está sendo uma experiência muito legal, a energia que fica na casa é maravilhosa e nos sentimos com muita proteção dxs amigxs, da floresta e de seus habitantes.”
Além do Quintal da Teresa, o que tem feito? “Atualmente trabalho em uma associação que tem por missão trabalhar com processos de aprendizagem visando aprofundar a democracia, lutar contra todas as formas de injustiça e defender os direitos humanos e a sustentabilidade. Uma nova experiência muito interessante e que me instiga a aprender coisas novas e contribuir com o que aprendi ao longo da vida.”
Você percebe diferenças entre a sociedade rio-clarense de ontem e de hoje? “Pouca diferença, a não ser a proximidade entre turmas que parece que era mais tranquila. Rio Claro é uma cidade com talentos incríveis, mas muito restrita do ponto de vista do acesso e da garantia de direitos. Ainda é uma cidade dominada por grupos políticos que se revezam. A separação dos que podem mais daqueles que podem pouco é muito clara e isso é muito triste. Uma cidade dividida não apenas fisicamente, mas no acesso a seus serviços e na garantia de direitos.”
Quem é Teresa? “Boa pergunta. Ninguém é, podemos estar sendo naquele momento, naquelas condições. Hoje sou uma mulher que passou por algumas experiências que tiraram o meu chão, mas que também me mostraram que ser ética e fiel tem seu preço. Procuro fazer da minha vida uma possibilidade de construção do coletivo. Não é fácil, fico triste, me alimento da família e dos amigxs e sigo em frente. Não demoro a me fazer alegre de novo. Acredito na vida, nas pessoas, no bem comum. Penso que precisamos de pouco para ser feliz, não sou gananciosa e não exploro ninguém. Creio num mundo bom para todos.”
Como você enxerga o atual momento no Brasil? “Ando com medo de certos grupos que acham que só há um lado para as muitas possibilidades de interpretar, analisar o mundo e suas relações. Muito ódio, muita mesquinhez, canalhices… há muita gente que usa o outro para suas ambições e necessidades, e isso é horrível. Desde coisas pequenas, nas relações mais íntimas, até no desenho político há que olhar para fora de si, e não só para seu umbigo. Me dá medo cruzar com gente assim.”
CARA A CARA
RIO CLARO: A cidade escolhida para viver
CULTURA: A alma da sociedade, lugar de respeito
INESQUECÍVEL: Amamentar os filhos
PARA ESQUECER: Nada pode ser esquecido
SAUDADE: Do barulho da molecada na Escola Semente
EXPECTATIVA: Elegermos políticos mais comprometidos
UM LUGAR: Minha casa
UM MOMENTO: Namorar sob olhar da lua cheia
UM ÍDOLO: Gosto de muitas figuras, mas não tenho um ídolo
UM SONHO POSSÍVEL: Uma sociedade mais justa
UM SONHO IMPOSSÍVEL: Conversar com um fascista
UMA FRASE: “Não perca de vista seu ponto de partida.” (Santa Clara). “Tudo vale a apena se a alma não é pequena.” (Fernando Pessoa)
UM LIVRO: “Os Anormais” (Michel Foucault)
UMA MÚSICA: “Coisas do Mundo Minha Nega” (Paulinho da Viola)
PINGA FOGO
MUDARIA DE CALÇADA AO CRUZAR COM: Um traidor
MAL MAIOR: A ganância
NÃO MERECE O MEU RESPEITO: Quem explora
A POLÍTICA É: vida
NÃO SIMPATIZO, MAS RESPEITO: Quem não pensa como eu
NÃO RESPEITO, MAS SIMPATIZO: Não encontrei resposta