Desde o início, ainda bebês, por instinto ou condicionamento, descobrimos que bastava chorar que o colo, o alimento e o cuidado surgiam, como mágica no calor dos braços de alguém, uma mãe, na maioria das vezes.
Mais tarde, a sociedade nos dá instrumentos facilitadores de sermos desejados, aceitos pelas outras pessoas. Nos dá a beleza, por exemplo, quando não a inteligência, ou ainda mais raramente, os dois.
Um exemplo comum, a menina, por ser gordinha, é objeto do bullying das outras na escola. Retraída, vai buscar consolo em algo que a isole das demais. Os livros, quem sabe.
O desejo mais profundo do ser humano é ser desejado pelo outro. A sentença, da pediatra e psicanalista Maud Manoni norteia toda a nossa formação como indivíduos, e provoca discussões profundas.
Desde muito tempo a psicologia tem nos dito que o bullying é em si uma manifestação profunda e disfarçada do desejo. Aquele que pratica o bullying tem tanto medo de ser como a pessoa a quem que agride, e assim precisa a todo instante ficar lembrando disso.
Como, outro exemplo, o cara que tem um fortíssimo desejo homossexual, latente, reprimido e que vai para uma academia. Cria músculos desproporcionalmente grandes e sai agredindo homossexuais nas ruas, numa clara manifestação do desejo inconsciente que está dentro dele. Ele agride e aplaca seu desejo mais íntimo agredindo criminosamente seu objeto de desejo.
Ou em outro exemplo ainda, o menino bolsista de um prestigiado e caro colégio particular, baixinho, franzino, ou pobre no meio de uma classe de colegas fortões, altos e ricos, ao menos na aparência. Ninguém quer ser como ele, então passam a imaginar como ele se sente, colocando apelidos, fazendo comentários depreciativos, perseguindo-o diariamente.
Aquela menina, que também é objeto do bullying se identifica com ele e passa a “cuidar” dele. O desejo de ser desejado dos dois está muito restrito. E assim, nesse vínculo pela diferença são sobreviventes naquele meio hostil, vítimas do lado mais escuro da “socialização secundária” que a escola proporciona.
Dentro da restrição imposta pelo outro, o menino franzino e pouco dado aos esportes fatalmente será o nerd da classe, como bem salienta o psicanalista Ivan Capellato. Não foi um destino escolhido, mas imposto pela opressão que sente.
E era em dia de prova, quando saiam as notas que ele tinha a única chance de brilhar e ser objeto de desejo dos outros, ainda que por poucos dias, diante do resto do ano letivo onde é xingado, excluído e humilhado.
Mas hoje, com o atual sistema de avaliação e notas fajuto, onde a escola morre de medo de reprovar maus alunos, até isso tem sido tirado dele. Todo mundo falsamente, num jogo de fingimento velado e com a anuência dos pais, todos tiram “boas notas”. Em qual área poderá cultivar o desejo de ser desejado pelos outros?
Vítimas de bullying são sobreviventes. E podem continuar nessa triste condição pelo resto da vida se não lhes for oferecido um novo mundo, uma ajuda, que lhes ensine a sair desse ciclo vicioso. Porque com o tempo, os abusadores tóxicos e praticantes do bullying desaparecem da nossa vida, mas os efeitos deixados por eles podem não desaparecer nunca mais.