Estamos na época do ano de vestir camisa de flanela, de manga comprida, com uma camiseta básica, por baixo. De tomar aquele chá de hortelã gostoso e quentinho, acompanhado de uma torradinha com requeijão, lá pelas 4 da tarde.
Época de compartilhar aquela sopa de feijão, deliciosa com o amor, trocando olhares sugestivos, no início de noite. E tomar aquele vinho afrodisíaco na madrugada.
Época de sentir friozinho debaixo da coberta, dois corpos nus que se tocam, se buscam e se encontram em perfeita harmonia.
Época de adormecer juntinho, e sonhar, os mais doces e lindos sonhos, e despertar pela manhã.
É outono. A época do ano de que mais gosto. Tudo parece mais leve e suave, pela manhã, quando a vida e a esperança se renovam às primeiras luzes do dia.
Escrevo mais e melhor no outono. Sou melhor no outono. Em todos os sentidos. Sem falsa modéstia. São dias que a chama da vida se agiganta dentro de mim, que me sinto capaz de superar os meus limites, que são muitos, e, geralmente, insuperáveis.
Admiro o verão, acho até bonito, mas não aprecio. O inverno é triste, estimula a escrever poesia, versos doloridos que nem mereciam chegar aos olhos do público, a menos que se queira chocá-lo. Mas, não ando muito disposto a isso. Já o mundo é tão triste. E me convenci de que melhor é espalhar sementes de luz que provoquem felicidade e paz, e alguma reflexão.
Vez por outra, escapa uns versos, desses colhidos no vale de Hinom onde a dor campeia, onde os raios de sol quase não chegam. Sintonia momentânea, que se desfaz no momento seguinte. Eles ainda me olham e me desejam, os companheiros, os cúmplices de ontem, os que me inspiram vez por outra, mas já não me tocam e nem me conduzem. Eu os respeito. Conheço-lhes a dor que um dia já foi minha também.
Mas eu ia dizendo sobre o outono, mas antes desejo falar sobre a primavera, que vem depois do inverno. Vem desfazer o gelo, levar embora, para longe o vento úmido, vem trazer beleza e cor à vida.
E pensando nas quatro estações do ano, impossível não lembrar de Vivaldi e sua belíssima obra homônima, que nos provoca um sentimento monumental de êxtase. Feche os olhos, leitor, e ouça “As “Quatro Estações” e esqueça todo o mundo à sua volta. Vais viajar longe, para uma dimensão da vida onde o sublime reina soberano e acolhe de modo carinhoso a todos que o procuram.
Mas ainda é outono. E ontem, chegou-me um livro às mãos. Assim, ao acaso, encontrei-o na rua, sobre um hidrante. Uma rua morta, sem vida, numa manhã de domingo. Título bastante sugestivo para os tempos vividos: “Erros Irreversíveis”. Não é dos autores que mais admiro. Não tenho nenhuma queda por estórias inverossímeis, exceto as de Kafka e uma ou outra de Becket e da Sra. Woolf.
Esses autores, que menciono, dão à Literatura, forma e conteúdo que a justifiquem. Eles transcendem os limites da narrativa. Vale a pena, o tempo perdido com a leitura de alguns de seus livros.
Afinal, como demonstra a ampulheta, o tempo é algo que se consome irremediavelmente. Tentar detê-lo é derrota certa. Já desisti de fazê-lo.
Eu temia a velhice que vem com o tempo. Temia as doenças, do corpo e da alma, que as circunstâncias da vida, nos trazem com o tempo. O tempo é a passarela pela qual a vida desfila, garbosa, até encontrar os primeiros buracos e tropeçar.
Eu temia a sucessão dos dias, a mudança das estações. Não sei você, leitor, mas eu temia o inverno, a primavera e o verão. Hoje, não. Hoje, celebro o outono, apesar das suas folhas mortas, com as quais, faço poesia. Bom dia!