Bilhetes de um tempo
[IV]
De outro fato me lembro bem.
Antes da malhação do judas, o pessoal do bairro colocou um poste de sebo e, na parte alta, notas de cruzeiros (moeda da época).
Muita gente tentou subir, sem conseguir. Não fui além de três tentativas inglórias. Todas vãs. Meu irmão, Zé Roberto, magrinho, expedito, e depois de muita gente limpar o poste com os ‘carções’ de algodão, conseguiu chegar no topo do pau de sebo. Só que ele cometeu uma imprudência. Tirava as notas de lá de cima e jogava-as pra baixo. Lógico que quem estava no chão aproveitou o momento e embolsou o dinheirinho. Quando ele desceu, vinha com pouco ganho escondido no ‘carção’. Mas, o seu triunfo foi o de ser o único a escalar o pau de sebo, naquela data festiva.
[V]
Outra história de meu irmão que me acompanha é a da corrida no bairro, que imitava a São Silvestre, da qual o Borges, magrinho, e com pulmões privilegiados, que morava na avenida 1, quase com a esquina da rua 10, era, reconhecidamente, o campeão imbatível.
No nosso bairro, o campeão era o meu irmão. ´
Formado o grupo de meninos entre 12 e 15 anos, acredito, dava-se o sinal de partida. E lá iam muitos. Não todos, porque eu já ficava com o grupo que, por natureza, participava da parte final do ‘pelotão’.
Depois de certo tempo, lá se via meu irmão à frente de todos, correndo naquela noite como se tivesse ventos nos pés. Não dava ‘mole’. E vinha em primeiro lugar, muito à frente de todos. Sem vaidade, sem estardalhaço, ficava, depois, num canto, sentado na calçada, quieto, como era de sua natureza eclesiástica.
[VI]
Outro fato interessante acontecia naquele canto de chão. Vou contar.
Quando passava o caminhão carregado de cana pelas ruas do bairro, o ‘assalto’ era iminente. O caminhoneiro tinha que, necessariamente, reduzir a marcha do veículo ao chegar às esquinas para prosseguir, depois, pelo quarteirão. Nesse momento, exatamente nesse momento, os meninos, como abelhas, corriam atrás do grande FNM ou Mercedes Benz e agarravam, cada qual, uma das canas. E continuavam correndo, enquanto o caminhão já ganhava mais velocidade. Puxavam, então, a cana para si, arrancando-a da carroceria. De posse desse prêmio, sentavam-se na calçada e descascavam com os dentes a cana já queimada, ficando com o rosto e as mãos enegrecidos. Não se importavam. Sentados na calçada, chupavam a cana ‘roubada’, como príncipes.
Se você já foi pobre e correu atrás de um caminhão de cana, sabe bem qual é o sabor dessa aventura.
a época, desfrutando da alegria da noite e do contentamento das crianças.
Lembranças esgarçadas de uma festa junina ocorrida na rua 5 em que as pessoas pareciam pertencer a uma só família.
[VII]
Agora, não me é de boa lembrança o tomar banho de bacia no frio. A água, esquentada no fogão à lenha, era levada para o pequeno banheiro num caldeirão e temperada com a água fria das panelinhas. A bacia era colocada sobre o piso frio. Ao sentar-se nela, sentia-se a friagem do ladrilho. A água quente se encarregava de esquentar também o piso. A água, após o banho, que ficava encardida de terra, barrenta mesmo, que parecia retirada do rio, era despejada no ralo do banheiro.
Banho tomado, punha-se o pijama de flanela, feito pela Lica, muda e surda, e prima de mina avó, a Bela. E vinha aquele sopão feito com batata, carne e legumes. Depois, o bife – a bisteca Brasil, assim chamada por seu tamanho grande e ter a forma parecida com a do mapa de nosso país. Essa cena se repetiu muitas vezes na infância daqueles meninos da rua 5. Éramos ricos na pobreza: tínhamos a rua e a família