Bilhetes de um tempo
[XXIII]
E a turma do Gato Preto, que vinha com o Leninho Mônaco, o Omar, o Arnaldinho Partezzani, o Érico, as belíssimas irmãs Marisa e Denise Veloso, e outros. (Aqui, perdoem-me, pela falta de lembrança dos demais. O tempo os levou de minha memória.)
De todo modo, era a época sagrada da Jovem Guarda.
Começavam, aí, nesse tempo e local, os primeiros namoros, as primeiras poesias, seguidos de encontros nas casas das meninas e dos amigos.
Lembro-me, muito bem, que o Luís Couto, pai da Sandra, fez, em sua casa, uma das melhores festas de aniversário para a sua filha Sandra. Ele chamou o conjunto ‘Os Impossíveis”, integrado pelo Zezinho, Osni, Roberto e Tavinho para tocar naquela noite (que ficou inesquecível). Noite gloriosa. Noite de muito som, muita dança, alegria, sonhos e, agora, de muita saudade.
Outra festa marcante ocorreu na casa da Marta, filha da Maria Hunger e do Tuco Costa. Também festa de 15 anos. A aniversariante estava platinada, lunar, com o vestido, meias e sapatos de prata. Estava linda. Até hoje me vejo dançando com ela na casa dos pais, na noite de 16 de agosto. No dia 20, começamos a nos namorar. Esse relacionamento durou 8 anos. Por encontros e desencontros, houve a separação. Cada qual seguiu por uma via. Sem reencontros. Como se diz – a vida não é para amadores.
Meu amigo da época, como disse, antes, era o Felício Pavan.
Descíamos a avenida 1, durante as noites de verão, como se fôssemos reis do pedaço. Curiosamente, não tínhamos um tostão nem para pagar uma coca. Só sonhos e deboches, que apimentavam as nossas risadas.
Em dupla, literalmente invadíamos festas de desconhecidos e participávamos dos salgados, das bebidas e dos doces, sem nenhuma cerimônia. Éramos insuportavelmente ‘caras de pau’. Nunca fomos barrados.
Felício meu amigo
Descendo a avenida um
Irmanados
Sem receios
De roupas desleixadas
Sem vaidade
Orgulhosos
Sonhadores e sonhados
Rindo deles e de nós
Felizes
Sem dívidas nem credores
Sem luto nem tristeza
Sem passado.
Descendo a avenida um desfilávamos como cavaleiros reais
Sem dinheiro mas orgulhosos.
Vinte anos de existência.
Quem poderia ser mais feliz
que dois amigos felizes descendo a avenida um
da Cidade Azul?
Nesse breve tempo
a cidade mudou.
E os amigos também.
Lá atrás fica, perene, a avenida um do tempo de rapaz
Forte abraço meu amigo.
Grande Felicinho
[XXIV]
Sozinho, eu, também, fazia das minhas.
Lembro-me que passava um filme de um menino e um cavalo no Cine Excelsior. Sem condição para pagar a entrada, tive a ideia de comprar balas. Comprei balas ‘Chita’. Encaminhei-me para a entrada do cinema e ofereci bala ao porteiro e fui entrando. Não era o ‘seu’ Guerino; era um outro, o bonzinho. Ele falou – ‘Aonde você vai?’. Respondi que estava retornando para o meu assento. Não sei se ele ficou em dúvida ou se lhe faltou lembrança, o certo é que o porteiro me deixou entrar. Confortavelmente, desfrutei das balas e do filme (do qual, hoje, não me lembro mais).
Também entrei no colégio das freiras, o Puríssimo. Ocorreria, lá, naquela noite, a encenação do Pequeno Príncipe. A entrada principal dava para a Praça da Liberdade, na Rua 7, entre as avenidas 3 e 5. Os fundos do colégio davam para a Rua 8. Era alto. Parecia que não conseguiríamos, mas eu e o Felício conseguimos ultrapassar o obstáculo. E costeando pelas sombras, chegamos à escada que nos levou ao teatro, que ficava no piso superior. Belo espetáculo. Bela aventura. E isso só se pode fazer quando se é irresponsável, com a idade de quinze ou dezesseis anos, e não se tem dinheiro para pagar o bilhete para se entrar pela porta da frente. Se tivéssemos sido pegos, as freiras, certamente, nos perdoariam. Ou não?