[I]
1949. Esse o ano em que nasci, aqui, na Cidade Azul. E pelas mãos do Dr. Marciano, reconhecido médico obstetra do Hospital e Maternidade Santa Filomena.
Meu pai, Virgilio, que viera de Natal/RN, e passava por Rio Claro vendendo seguros, por força do destino, bateu à porta da casa de minha avó, Amélia Correa, a Bela, na avenida 7, entre as ruas 2 e 3, centro, e se encantou pela jovem morena.
E minha mãe, a Élide, que esperava desposar um homem alto e que soubesse dançar, acabou casando-se com meu pai, de estatura baixa e que não dançava nada, nem passos de xaxado dava. Esse o lado irônico da vida.
No entanto, ficaram casados por mais de cinquenta anos.
Um dia ele partiu no ano de 2.000. Faz muita falta. Minha mãe, com quase 94 anos, ainda vive. Embora não seja uma sombra de si mesma, a sua cabeça, às vezes, mostra-se distanciada das lembranças e, outras vezes, parece de tudo se lembrar. Vida que vai, assim, então.
[II]
A minha infância passou-se no bairro, hoje, conhecido e reconhecido por Copacabana.
Naquele tempo era o fim da cidade. E as ruas, de terra, eram dos meninos.
Ali, naquele pedaço de chão, eles rodavam piões, jogavam bolinhas de gude, empinavam papagaios, soltavam balões, sopravam canudinhos em sarabatanas improvisadas, jogavam malhas (para acertarem os pinos colocados à certa distância), usavam pernas de pau feitas com cabos de vassoura, brincavam de polícia-ladrão, jogavam futebol nos campinhos do bairro, dirigiam carrinhos de rolimã pelas ruas (que vieram a ser, depois, asfaltadas). E eram, parecia, todos felizes.
A gente ia até o empório da avenida 15, do seu Quindinho, pra comprar pião e as coloridas bolinhas de gude. Verdadeiros tesouros da meninada.
Pra fazer as varetas dos papagaios (o meu preferido era o maranhão azul) a molecada furtava bambu da cerca da chácara da família Batista Russo. (Que descaramento!) Mas, sem essa ilicitude infantil não seria possível o engenho e a arte de se colocar as pipas no céu azul da cidade. (Fala-se, sem comprovação, que os donos queriam dar tiros de sal nos rapinadores. Nem sei se isso era possível. Mas, nunca houve disparo.)
[III]
Os balões eram a maravilha nas noites frias de junho. Os Carandinas fizeram um, certa vez, que deixou todo mundo surpreso e encantado. Vários homens tiveram que segurar o balão, enquanto um outro abanava para enchê-lo de ar. A tocha era de saco de estopa, parafina e breu. Depois de muito ajeita aqui, ajeita ali, e, uma vez, inflado o balão, puseram fogo na tocha e o ‘bicho’ começou a ‘tremer’. Dois dos homens foram levantando o balão e ajudando a impulsioná-lo em direção ao céu estrelado. E o balão foi subindo. Mulheres aplaudiam, crianças riam e os homens se davam por satisfeitos. De repente, a tocha era um ponto iluminado na escuridão pontilhada de estrelas. E foi fugindo para onde o vento levava. Depois desse frenesi, deram atenção à pipoca, batata doce, ao quentão, ao vinho quente, aos doces e refrescos.
E a conversa corria solta entre risos e gargalhadas.
Noite aquecida pela fogueira feita com tronco de árvore, que queimou a noite toda.
A Maria Helena Moncaio tirava as músicas juninas da sanfona. Lembro-me de algumas: “Com a filha de João …”; “Um balão vai subindo, vem caindo a garoa …”; “Eu pedi numa oração ao querido São João …”, e assim ia.
E as mães, sentadas na calçada, cantavam essas canções da época, desfrutando da alegria da noite e do contentamento das crianças.
Lembranças esgarçadas de uma festa junina ocorrida na rua 5 em que as pessoas pareciam pertencer a uma só família.