Sob um interesse pueril e genuíno de um adolescente para com o trabalho de Eva Wilma, em Mulheres de Areia (1973-1974), Edson Darci Palata, hoje com 63 anos, conta ao Diário do Rio Claro que a sua paixão pelo teatro começou pela marcante telenovela transmitida pela Rede Tupi. Mas até se descobrir nas artes cênicas, o ator – padeiro, confeiteiro e cozinheiro formado, além de tecnólogo em gestão ambiental, por ser “amante das plantas” – conta que tudo foi um longo processo.
Nascido em Fernandópolis, Edson passou por lugares como Santa Fé do Sul, Três Fronteiras, Santana da Ponte Pensa, até a pré-adolescência, aos 14 anos. Em todos esses lugares trabalhou na roça. Chegando em Rio Claro, foi onde, ao contrário da natureza e dos estalidos do campo, se deparou com as ruas e avenidas motorizadas da Cidade Azul. Em especial, um aparelho eletrônico e o que o tal oferecia lhe chamou a atenção: a telenovela.
“Trabalhei muito na roça, até os 13 para 14 anos. Aí, vim para Rio Claro, com vontade de trabalhar com gastronomia. Nessa época, eu me deparei com a televisão e, então, comecei a assistir muito a novelas. Em especial, Mulheres de Areia, da Tupi. Eu era apaixonado pelo trabalho de Eva Wilma, da forma culta como ela era. Então, naquele tempo, eu comecei a me interessar por teatro por gostar do trabalho dela.”
Das colheitas de café na roça para a cidade rio-clarense, como funcionário da antiga Padaria Universo – que era localizada na Av. 32, entre ruas 6 e 7 -, o “tímido rapaz”, segundo o próprio Edson, conta que em partes foi influenciado também por uma professora do colégio onde estudava. A sugestão era para ajudar o “garoto muito expansivo”, como ele se declara, deixar a timidez, típica de um “matuto” – como ele também se declara.
“Eu era muito tímido. Matuto e ‘caipora’ de roça mesmo. Mas acredite, consegui marcar uma reunião no gabinete do prefeito para conversar sobre algum projeto que pudesse dar aulas de teatro e, de certo modo, me fazer perder a timidez. Eu sempre me achei um garoto muito expansivo, desde a época da roça, e acho que o teatro me despertou querer colocar isso pra fora.” Mais tarde, a prefeitura abriria um projeto que contemplava pessoas de oito até 80 anos de idade, com aulas de artes cênicas para a população.
A PRIMEIRA VEZ
Segundo Edson Palata, o curso oferecia ensinamentos de Dança – com o dançarino rio-clarense Paulo Branco (entusiasta do Balé Ópera Paulista, junto da criadora Angela Nolf, nos Anos 80); Expressão Corporal – com o cenógrafo Carlos Colabone (também de Rio Claro); Mímica – com o ator paulistano e vivido campinense Luís Otávio Burnier; e Teatro, com o diretor Thie Camargo, entre outros.
“O curso, eu lembro, foi muito bem montado. E embora eu trabalhasse à noite na padaria, eu fiz questão de fazer todos estes cursos na época”, relembra. Do projeto municipal, o artista conta que decorreu a montagem de duas peças. “Haviam duas turmas. O pessoal mais novo fez o (teatro) infantil, com A Arca de Noé – de Vinicius de Moraes e Toquinho. Eu, que participava da turma mais adulta, atuei na peça ‘O Crime da Cabra’. Uma peça fantástica, diga-se de passagem!”
A peça em questão, que tem o texto datado de 1965, escrito por Renata Pallottini, reunia 22 atores e foi a primeira obra teatral em que Edson Palata atuou, representando um dos personagens principais: Seu Filinto. Aliás, mais do que marcar na memória, sua primeira atuação teve, inclusive, um “auê” – como chama o ator – no meio da encenação.
“A peça teve um incidente (risos). Eu contracenava com um personagem cego, que tava ‘de olho’ na minha mulher, na história. E eu usava uma espingarda de verdade para fazer uma ação. A ideia era que o tiro fosse de festim, mas como coloquei muita pólvora e soquei demais lá dentro, quando atirei, a espoleta queimou e a pólvora saiu de verdade, acertando o chapéu do meu colega de palco”, conta com o gracejo do riso.
Edson afirma que o público, ao mesmo tempo que ficou impressionado – alguns acharam que aquilo realmente fazia parte da cena -, em partes o povo foi ao delírio. Uma surpresa que tomou conta do local, no caso, o extinto Cine Teatro Variedades, localizado na Av. 1 com a esquina da Rua 6, no Centro – onde hoje estão os Supermercados Dia. Lugares que, por sinal, são sinônimo de lembranças emocionantes para o ator.
“Um teatro maravilhoso que era! Mas não só ali, como também no Centro Cultural. Tive oportunidade de conhecer os saudosos Tarcísio Meira e Glória Menezes no Variedades. Recebemos a Fernanda Montenegro no Centro Cultural, além da debochada Dercy Gonçalves – para quem eu fazia comida, do tempo de cozinheiro, e que eu adoro. E um colunista muito famoso da cidade também, o Carlos Curcio”, diz Edson.
Da primeira vez em diante, portanto, o ator não parou mais. “Esse projeto acabou. Daí, eu continuei com o Grupo Palanque, com um pessoal da ‘terceira idade’, vamos dizer assim. Mas o grupo, eu lembro, era composto e direcionado por pessoas incríveis como o Cérjio Mantovani, Belmiro de Almeida, Tim Caniatto, Margarida Simões e Etevaldo Klein, além de outros.”
OUTRAS PEÇAS & OUTROS TRABALHOS
O Grupo Palanque, formado ainda na década de 70, reunia alguns dos grandes nomes da cena artística rio-clarense. Em cena, Palata relembra o sucesso que fazia A Paixão de Cristo, apresentada no Campo do Rio Claro FC. “Nessa época eu fiquei fazendo o que a gente chama de teatro infantil e adulto. E o religioso, com A Paixão de Cristo. Nos apresentávamos ali mesmo no campo do Rio Claro e a encenação rendia um público entre 40 mil e 50 mil pessoas. Realmente, algo inesquecível”, conta.
Além dessa abordagem mais tradicional da personalidade cristã, a companhia também encenava pelo que o ator chamou de “presépio vivo”. “Nós íamos de caminhão para os bairros da cidade e nos apresentávamos ali, em cima do caminhão mesmo. Acabávamos reunindo um público, porque a proposta era muito interessante e diferente. Tinha um burro de verdade em cena com a gente, pra se ter uma ideia”, rememora.
Fora o religioso, Edson Palata também fez parte da incrível comédia “Toda Donzela Tem Um Pai que é Uma Fera”, texto de autoria de Gláucio Gil, e dirigida, à época, pelo ator e diretor rio-clarense Tim Caniatto – hoje diretor-fundador do Grupo Manga de Colete. O ator fez parte do elenco principal, como Joãozinho, algo que segundo ele lhe rendeu certa convicção do seu reconhecimento como ator.
“Eu fazia o Joãozinho na peça. Aliás, foi com essa que eu também descobri o meu reconhecimento como ator. Lembro-me que quando eu apresentei ela no teatro, no dia seguinte, passando pela Rua 3 aqui na cidade, alguém me gritava o nome: ‘Joãozinho! Joãozinho!’. Dizem os atores que a gente sabe que fez o papel bem feito quando nos chamam pelo personagem e não pelo nome”, comenta.
Mas foi com “Greta Garbo, Quem Diria, acabou no Irajá” sob direção de Etevaldo Klein, contracenando com Marco Tertuliano, que o ator se firmou na profissão. “A peça era muito intensa, pois eu ficava cerca de duas horas em cena, no palco. E uma cena pra lá de chocante, comigo beijando o Marco, que por sinal foi muito bem elogiada pela noiva dele. A gente apresentou somente para a Imprensa, lá pelo ano de 82.”
Além da comédia de Fernando Mello, o artista destacou outros trabalhos como os teatros infantis “Jambinho do Contra”, “A Arca de Noé” e, por fim, mas não menos importante, “A Formiga Fofoqueira” – peça que, segundo o artista, era muito apresentada no município, chegando a ser contratada para apresentações pela Prefeitura Municipal e escolas particulares.
Por fim, Palata também rememora sua participação na Banda do Veneno – bloco de carnaval que, tradicionalmente, abriu a festividade em solo rio-clarense por anos. “Quando eu cheguei eles já saíam com a banda para abrir os carnavais às sextas. Começando ali com a ‘turminha da cerveja’, um dia me convidaram e quando vi, virou aquilo.”
Com uma fantasia que misturava vestes tradicionais de noiva e lingerie – com o passar dos carnavais -, confeccionadas pela mãe do próprio ator, Edson se inspirou no desejo da mãe de ver as filhas vestidas de noiva e no Bloco das Virgens de Olinda – tradicional festa carnavalesca feita no Domingo da semana de Carnaval, reconhecida pela diversão e irreverência.
“Minha mãe sempre sonhou em ver as filhas vestidas de noiva, mas só uma casou assim. Aí, numa criatividade, me veio a ideia de me vestir de noiva no carnaval. Ela adorou a ideia e ela mesma costurava o vestido (fantasia) pra mim. Fiquei dois anos assim, até começar a encurtar um pouco mais a fantasia a ponto de tirar peças, porque para os outros, acabou se tornando uma surpresa e uma novidade.”
O artista ainda deixa palavras de saudosismo e carinho que sentia pela banda, em especial, pelo fundador, o “japonês” Mario Yabuki. “Veja você, como são as coisas! Tantos brasileiros que poderiam ter organizado isso, mas foi um japonês de coração imenso, que era o Mario (Yabuki), por quem eu tinha profunda admiração e paixão”, comenta.
O SUCESSO E O TEATRO
“Almejar sucesso não. De jeito nenhum.” A fala tão categórica expressa, na natureza do discurso de Edson, o seu valor para consigo mesmo mediante o que ainda espera na carreira. Na verdade, não da sua vida de ator que, segundo ele, nunca levou um prêmio – e que para tanto, está excelentemente de bom tamanho. Mas da sua filosofia de que “sou famoso no sentido de que sou gente.”
“Eu tinha uma grande vontade de conhecer a Eva Wilma. Depois, uma loucura para conhecer a Xuxa. Tentei muitos meios, mas não consegui. Então desisti. Mas nessa de tentar conhecer a quem eu admirava, percebi que também sou admirado, no sentido de ser como sou: gente. Não preciso conquistar o mundo. Quando sento na calçada da minha casa, sei que muitos que ali passam me conhecem e me respeitam. Admiro o quão sou e fui, como uma pessoa trabalhadora, de caráter e respeitada.”
Ainda, para finalizar, o ator declama contraposição à fama. Algo muito difícil de se desassociar levando em consideração os dias atuais e as repercussões que um artista é levado a se envolver. Mas algo que para Edson Palata não tem as chamadas ‘cores e sabores’. “Fama? Não. Eu quero fazer o que eu gosto. Assim como homens gostam de tomar cerveja e curtir seu futebol, eu amo teatro, dança, aquele espetáculo que te tira o fôlego.”
Por Samuel Chagas / Foto: Divulgação